ESTHER SOLANO
Não quero pensar que esse
Brasil do passado morreu. Prefiro pen-
sar que ele está em letargia, entorpeci-
do, desanimado, tentando resistir a tan-
tas agressões sofridas. Ele está abatido,
mas vivo. Está cansado, esgotado de lu-
tar, mas vivo. Sofre, mas está vivo.
É um Brasil que tenta sobreviver e so-
breviver é uma vitória quando o fascismo
se empenha em nos destruir a cada dia. É
um Brasil ferido mortalmente, que san-
gra, que levará para sempre a marca do
machucado na sua alma, mas é um Brasil
vivo. É um Brasil profundamente adoe-
cido, mas não morto. Conceição Evaristo
falou de forma brilhante o que eu sinto
hoje: “Eles combinaram de nos matar. E
nós combinamos de não morrer”. O fas-
cismo combinou de matar o Brasil, mas
o Brasil combinou de não morrer.
Talvez vocês me digam que falo bo-
bagens, me iludo, que estou enganada e
escrevo a partir de um otimismo idiota,
que esse Brasil do passado morreu e não
volta mais. Pode ser, mas é que eu enxer-
go todo dia esse Brasil que sobrevive. Por
trás do número de mortos, dos imbecis
sem máscara festejando, dos jumentos e
dos assassinos no poder, por trás da tra-
gédia e das lágrimas, eu vejo esse Brasil
do passado. Enxergo jovens cumprindo
as regras, enxergo instituições, ONGs,
anônimos se organizando para ajudar
quem fica mais vulnerável neste con-
texto de horror sanitário e econômico.
Enxergo gente que trabalha com afin-
co nas piores condições, gente que luta,
que, mesmo no desânimo, continua e con-
tinua. Enxergo tanta gente que enfrenta
este governo, enxergo gente que, mesmo
no desespero, continua a acreditar no fu-
turo. Por trás do horror que aparece todos
os dias nos jornais, enxergo esse Brasil.
Quero pedir para vocês que também o
enxerguem. Por favor, façam um esforço,
ele está lá. Por vezes escondido, tímido e
silencioso, mas está lá. O Brasil que vibra,
que luta, que é digno, nobre, justo, está
lá. O Brasil que emociona, o Brasil que
faz chorar, mas como um choro de ale-
gria, de futuro. O Brasil de quem a gente
se orgulha está lá, por trás do Brasil que
dói. Mas o Brasil do passado, da beleza, da
esperança, da luz, precisa de nós, preci-
sa ser enxergado, precisa ser visto, escu-
tado, levado aos holofotes e às manche-
tes. Precisa ser resgatado.
O Brasil não morreu, não desistam
dele.
A gente merece um Brasil onde mor-
rer não seja mimimi.
Eu imploro, não percam a esperança
nesse Brasil. •