LEONARDO SAKAMOTO
Edgar de Oliveira e Ezequias Ribeiro mataram sete pessoas em um bar,
em Sinop (MT), entre elas uma menina de 12 anos, após perderem R$ 4 mil
em um jogo de sinuca. Em outros tempos, a situação seria um absurdo
inexplicável. Hoje, é mais um dia vivendo sob a herança bélica do bolsonarismo.
Ezequiel foi morto em uma troca de tiros, segundo a Polícia Militar. Edgar se entregou, nesta sexta (23). Segundo apuração de Herculano Barreto Filho, do UOL, ele já havia se posicionado nas redes sociais a favor da política armamentista de Jair Bolsonaro. "Prefiro ter e não precisar, do que precisar e não ter", postou em julho de 2019, em um texto acima da imagem de uma arma.
Tinha acesso legal a armas, apesar de contar com passagem pela polícia.
São mortes estúpidas que acontecem após o uso de armas de fogo serem
incensadas pelo ex-presidente da República como solução dos problemas. E
no qual a flexibilização do controle de acesso a elas, que ele
diligentemente executou, facilitou que desavenças comuns tivessem fins
trágicos, quando alguém perde a cabeça e puxa o gatilho.
Em outras palavras, as pessoas estão mais armadas e sem medo de usar
esses equipamentos. Bolsonaro não criou a morte por motivo estúpido,
apenas a popularizou com suas políticas e discursos. Que tiveram tração
especialmente em polos como Sinop, uma das capitais do bolsonarismo no
interior do país. A cidade abriga muitos que apoiaram ou financiaram
atos contra o resultado das eleições.
Esse contexto de violência foi reforçado por outra característica do
bolsonarismo: trocar a Justiça, com suas instituições, leis e regras,
pelo justiciamento miliciano - em que cada um defende o que acha certo
com as próprias mãos e balas. Percebam que os dois criminosos não foram
lá apenas buscar o dinheiro de volta, foram matar quem ousou vencê-los.
Trata-se de ódio em estado puro.
De uma forma infanto-juvenil, parte dos radicais de extrema direita
questiona a responsabilidade do seu grande líder na banalização do uso
das armas de fogo, afirmando que elas levaram à queda no número de
homicídios durante o seu mandato.
Mortes caíram sim, mas por conta da efetivação de políticas estaduais
de segurança pública ao longo da última década, pelo armistício em
guerras travadas por facções do narcotráfico (especialmente a partir de
2017) e pela transição etária do Brasil, que está ficando menos jovem e,
com isso, com menos casos de violência.
Ou seja, se não tivéssemos Bolsonaro facilitando a aquisição de
revólveres, pistolas, rifles e fuzis e munição, principalmente para os
CAC (caçadores, atiradores esportivos, colecionadores), a redução teria
sido ainda maior.
Jair não conclamou os seus seguidores a "baixarem as armas" após o
assassinato político do tesoureiro petista Marcelo Arruda pelo
bolsonarista Jorge Guaranho em Foz do Iguaçu, em julho do ano passado.
Na verdade, nem poderia, pois isso bateria de frente com toda a
estratégia montada para a sua reeleição, que passou por armar,
literalmente, seus fãs, pensando em algo como a tentativa de golpe de 8
de janeiro deste ano.
Desde a campanha de 2018, Bolsonaro alimentou seus fiéis com uma
retórica de que estão em uma guerra do bem contra o mal. Mais do que um
governo, trata-se de uma cruzada para impor ao Brasil os "valores
corretos" - processo pelo qual, segundo bolsonarismo, vale a pena pegar
em armas para matar ou morrer.
Seis dias antes dos atos de caráter golpista e antidemocráticos de 7
de setembro de 2021, Jair afirmou, em um evento da Marinha, que "se você
quer paz, se prepare para a guerra". O provérbio, que vem do latim (si vis pacem, para bellum)
é uma variação de uma declaração atribuída ao escritor romano Flávius
Vegetius Renatus, que viveu no final do 4º século de nossa era.
Significa isso mesmo que parece.
De acordo com pesquisa Datafolha
de maio do ano passado, 69% dos brasileiros afirmam discordar com um
dos principais lemas de Jair: "Um povo armado jamais será escravizado".
Até porque um povo armado, como vimos novamente, se mata.
Em uma live no dia 30 de junho de 2022, o ex-presidente que fugiu do
Brasil para não ser preso orgulhosamente afirmou que as lojas de armas
cresceram em 72% e os clubes de tiro, em 91%, sob seu governo. E alertou
que Lula, seu adversário, transformaria clubes de tiro em bibliotecas.
Esperemos que sim.