Venho fugindo do noticiário desde a noite de ontem. Na tevê, quando apareciam as chamas, eu mudava de canal. Não ouvi rádio pela manhã. Não abri os sites de notícias.
O Museu Nacional é o museu da minha infância. A Quinta da Boa Vista é o jardim do suburbano carioca. É a herança dos nossos antepassados ricos. O lugar para onde meu pai, que cresceu em São Cristóvão, me levava nos fins de semanas ensolarados. Era sempre aquela sensação de “tudo isso é meu”. E é mesmo. Talvez por isso doa tanto. Tudo ali é de uma só família. Tudo ali é – ou era – nosso por direito.
Hoje, almoçando tarde no restaurante vazio, fui pego por um televisor ligado. A morte da História esfregada na minha cara sem qualquer piedade. Meu filho, que não vai conhecer o Museu Nacional, não desgrudava os olhos da tela. Eu querendo ir embora, continuar fugindo. Ele pedindo para ver até o final, para entender aquilo. Eu me retorcendo por dentro, segurando o choro.
O pior é saber que a morte da História pode ser evitada. Tudo o que aconteceu ontem mostra muito do que somos: estúpidos, irresponsáveis, despreocupados com o que realmente importa. Somos selvagens. Só o meteorito do Bendegó, uma força extraterrena, é capaz de sobreviver à nossa selvageria.
Incapacidade dos bombeiros? Falta de água? Incapacidade a nossa de entender o valor de preservar tudo aquilo. Falta de percepção a nossa, pessoas que não sabem eleger gestores que se importem com nossa História, com o bem público, com nosso patrimônio.
“Museu é chato”, “biblioteca é chato”, “arte é chato”... Tudo que faz pensar é chato em uma sociedade de cultura fraca, que só faz copiar o que há de pior nas outras: a banalidade, o consumismo, a pressa, a violência.
Morreu um museu. Morreu nossa História. Não há NADA que traga isso de volta. Não há dinheiro que compre o que havia lá dentro. Não foi um shopping que queimou. Não tem como “repor a mercadoria”.
E vai acontecer de novo. Muitas vezes. Enquanto formos incultos, desunidos, imbecis ocupados em escolher inimigos, em jogar a culpa no outro. Vai acontecer de novo e de novo enquanto formos selvagens.
Um pedaço enorme de mim morreu queimado na noite de ontem. Um pedaço enorme de cada um de nós. Quem não percebeu isso é só alguém demasiado bruto para viver em um mundo civilizado.