Fui para a Cinelândia ontem, fotografar a manifestação da greve geral
contra as reformas trabalhista e da previdência que esse desgoverno
golpista quer implantar.
Fotografo manifestações e passeatas
desde 1980, quando fui para S. Bernardo do Campo fotografar a greve dos
metalúrgicos e lá, vi e fotografei o Lula pela primeira vez.
Depois fotografei as passeatas pela anistia e tantas outras,
inclusive a grande manifestação pelas Diretas Já.
Considero que o povo nas ruas é a arma mais poderosa que temos contra
os sucessivos governos ditatoriais que assolam o Brasil e atrasam o
desenvolvimento do nosso país. O povo tem o direito sagrado de se
manifestar, de lutar por seus direitos e minhas fotos são minha maneira
de contribuir com essas lutas.
Ontem, na Cinelândia, comentei com minha amiga
Mariza Almeida
, outra fotógrafa, que estamos passando a maior parte de nossas vidas
registrando todas essas lutas populares. Nós registramos a história.
Já fotografei muitas lutas do povo com a polícia e no meu trabalho
diário, também já tive que fotografar obras em favelas onde convivi com
traficantes armados, como nas obras do PAC no Complexo do Alemão.
Não sou heroína nem valentona, longe disso. Sou uma mulher pequena e
até recentemente, bem magra. Mas sempre soube me desviar de perigos,
sempre coloquei meu trabalho acima de tudo e sempre soube, de alguma
maneira, me fazer respeitar.
Ontem, 28 de Abril de 2017, foi
diferente. Minha intuição me dizia que as coisas seriam estranhas. Saí
de casa levando uma máquina pequena, não levei meu equipamento
profissional, que é pesado. Calcei tênis, fui pra Cinelândia com o
coração apreensivo.
Na Cinelândia encontrei um ambiente
tranquilo, as pessoas iam chegando carregando faixas com mensagens de
protesto, haviam vendedores de cachorro quente, água, pipoqueiros, a
Feira do Livro estava funcionando normalmente, as pessoas trouxeram seus
filhos, nem parecia uma manifestação política.
Fui fotografando
os manifestantes, suas faixas, encontrei alguns amigos, tudo pacífico.
De repente chega um batalhão da Tropa de Choque da PM marchando rápido
em frente ao Teatro Municipal. Achei estranho, porque nas últimas
manifestações eles ficavam perto dos trilhos do VLT, parados, sem
incomodar ninguém, só nos observando.
Aí dois caveirões descem a
Avenida Rio Branco e entraram na Rua Araújo Porto Alegre, contornando o
Museu Nacional de Belas Artes.
O locutor em cima do palco
começou a pedir que a PM não jogasse bombas nos manifestantes, começamos
a ouvir o barulho de bombas e senti o cheiro acre do gás lacrimogêneo.
Vi que algumas pessoas protegiam o rosto com camisetas, alguns colegas
fotógrafos se protegiam com máscaras contra gases e com capacetes - o
clima ficou pesado.
As bombas se intensificaram, eram jogadas
diretamente contra as pessoas que estavam ali, pacificamente,
desarmadas, haviam crianças, bebezinhos, idosos e muitos jovens. Meu
instinto me alertou: corre, que isso aqui vai virar um terror.
Ainda pensei em fotografar a PM e as bombas, mas a bateria da minha
máquina estava acabando e senti que era melhor não tentar bancar a
heroína, a coisa ia engrossar de um jeito que eu não sabia explicar,
senti que uma coisa muito ruim ia acontecer ali.
Eu e muitas
outras pessoas começamos a correr, tentamos entrar no metrô e
encontramos a entrada do metrô fechada, com dois guardas do metrô
parados na escada, debochando de quem perguntava como poderiam entrar.
Eles disseram que a entrada do outro lado da Av. Rio Branco estava
aberta, corremos para lá, era mentira. TODAS AS ENTRADAS do metrô tinham
sido fechadas, todas.
Ficou obvio que o metrô do Rio havia
combinado com a PM um modo de encurralar a multidão. E foi exatamente o
que aconteceu. Rapidamente percebi que estávamos encurralados. As
pessoas corriam desesperadas, bombas eram lançadas diretamente sobre o
povo, o cheiro do gás era insuportável.
Gás lacrimogêneo é uma
arma química que seca as vias respiratórias e se inalado em grande
quantidade, além de afetar os pulmões, afeta os rins.
Corri pela
Rua Pedro Lessa (ao lado do Centro Cultural da Justiça Federal), sai na
Avenida Calógeras mas percebi que ali eu não ia conseguir sair do
centro, então voltei pela Rua Santa Luzia, sempre correndo junto com
muita gente. Fomos em direção ao começo da Rua Mem de Sá, perto da
Escola Nacional de Música da UFRJ. Fiz sinal para um ônibus que ia pra
Tijuca, ele não parou. Foi sorte minha porque depois eu soube que os PMs
perseguiram as pessoas até a Lapa, por onde esse ônibus ia passar.
Atravessei a rua e eu e um grupo de pessoas conseguimos pegar um ônibus
que ia para Copacabana - o motorista, vendo nossa aflição, abriu a
porta, graças a Deus. Já dentro do ônibus nós ouvíamos as bombas
explodindo e víamos as pessoas correndo desesperadas, indo em direção ao
Aterro, sendo perseguidas pela PM na maior covardia.
O trânsito
deu um nó, haviam ônibus e carros vindo de todas as direções tentando
sair daquela praça de guerra. Nosso motorista conseguiu passar e fomos
para a Zona Sul pela Praia do Flamengo.
Dentro do ônibus as
pessoas estavam indignadas, não só com a truculência e a covardia da PM
mas também com a reforma trabalhista e da previdência que esse
desgoverno Temer quer impor ao povo brasileiro. Muitos falavam alto
contra tudo isso, alguns poucos se mantiveram calados.
Desci em
Botafogo, na Voluntários e peguei o metrô para voltar para a Tijuca. O
metrô estava lotado, minha garganta estava seca por causa do gás que eu
havia inalado. Nas estações do centro do Rio ouvíamos as pessoas na
plataforma do metrô gritarem: Fora Temer! Era um clima de guerra.
Minha amiga
Mariza Almeida
me mandou uma mensagem dizendo que ela e um grupo de pessoas estavam
dentro de um pé sujo na Cinelândia, que tinha abaixado as portas com
todo mundo dentro, fugindo da PM e das bombas. Me deu uma aflição no
peito, como é que eu ia ajuda-la a sair daquele horror? Mais tarde ela
me passou outra mensagem dizendo que tinha conseguido sair, mas que
tinha enfrentado muitas bombas até chegar em casa, em Santa Teresa.
Outro amigo, o
Ricardo Lima também me passou mensagem dizendo que ainda estava na Cinelândia, com bombas explodindo em volta dele. Meu Deus...
Eu estava tão nervosa que nem sentia cansaço, estava tensa demais, fui
para a casa de uns amigos para desabafar com eles, relaxar um pouco.
Bebi muita água, é uma maneira de limpar o efeito do gás no corpo da
gente.
Aí nós vimos o Jornal da Record. Pra quê. Fiquei furiosa,
os jornalistas e os editores daquela merda de jornal deturparam os
fatos, mentiram descaradamente dizendo que o povo tinha começado toda a
violência quebrando vidraças de bancos e tacando fogo em ônibus!
MENTIRA!
Foi exatamente o contrário, a PM é que foi instruída
para jogar bombas no povo desarmado, que estava pacificamente exercendo o
direito de se manifestar. Depois das bombas e da truculência da polícia
é que um grupo começou a quebrar vidros e a botar fogo nos ônibus.
E vamos combinar: fica sempre a suspeita de que os que praticam o
quebra-quebra e põe fogo em ônibus são agentes infiltrados da própria
polícia, para que essa imprensa vendida tenha material para chamar o
povo de vândalo, de vagabundos, de bagunceiros.
Estamos vivendo
novamente numa ditadura, desta vez uma ditadura tão perversa quanto
todas as outras, mas não é uma ditadura política - é uma ditadura
promovida por corporações de grande poderio econômico.
Infelizmente uma parte da população brasileira, que carrega na mente
vestígios do colonialismo e da escravatura, apoia essa ditadura, como
apoiaram todas as outras ditaduras no nosso país. Uns agem assim porque
são ricos, se julgam de elite. Outros, pobres ou remediados, apoiam o
ditador atual por burrice mesmo.
Estou bem, apesar de sentir
dores no corpo e dor de cabeça. Vai passar. Mas a tristeza que sinto por
viver de novo uma ditadura no meu país, essa não vai passar jamais.
Vamos continuar lutando porque eu e os quase quarenta milhões de
brasileiros que foram às ruas ontem protestar contra Temer e seus
asseclas, sabemos que o Brasil merece um presente melhor e um futuro
democrático e grandioso para TODOS.