Há vitórias eleitorais que se configuram,
simultaneamente, como derrotas políticas. Este foi o resultado da
eleição de Dilma Rousseff em 2014, infelizmente não foi isso o que
ocorreu com a eleição de Jair Bolsonaro no domingo de 28 de outubro de
2018. Há derrotas eleitorais que constituem, por outro lado, vitórias
políticas. Não conseguimos reverter a vantagem de Bolsonaro, mas não
sabemos quantos mais votos teria tido se não houvesse uma grande
mobilização democrática. Talvez parasse de crescer de todo modo, é
verdade, mas as forças democráticas tiveram uma vitória: começar a se
organizar para a luta que pode durar mais ou menos tempo, a qual será
dura, de todas as maneiras. E evidenciaram para todos, inclusive seus
eleitores, seu caráter autoritário e intolerante, embora,
defensivamente, ele tenha buscado mesclar intimidação com palavras de
conciliação para evitar que o estigma se grudasse à sua imagem.
É preciso entender que foi a própria sociedade que
deu essa resposta democrática às ameaças que a cercam. O sistema
político e partidário continua em frangalhos e terá de ser aos poucos
reconstruído. Quem não entendeu isso não entendeu nada. Há um processo
extremamente complexo pela frente. Haddad parece tê-lo percebido e
buscou abrir-se em parte a essa dinâmica, mas dificilmente a oligarquia
do PT lhe deixará mover-se com autonomia, recusando-se a encarar a
ojeriza da maioria da população a este e a todos os outros partidos
neste momento. Muito da política, no plano federal, assim como no
estadual, permanece ademais prisioneiro de malandragens e manobras,
hegemonismos e disputas, que nada têm que ver com os desejos da
população. Juntamente com a corrupção e a limitação das políticas
sociais, foi isso que a sociedade brasileira – inclusive grande parte
dos eleitores de Bolsonaro – recusou nesta eleição. É preciso, com
seriedade, humildade e compromisso, reconstruir um sistema democrático
robusto, mais aberto e menos cínico.
Isso começa com o fortalecimento e ampliação da
frente democrática que se formou nesta eleição. No cerne dos planos
fundamentais de Bolsonaro e seu grupo se encontram a restrição da
democracia e a repressão à esquerda. A autorreforma que o regime militar
sonhou em inícios dos anos 1980 poderia agora se consolidar. A ameaça
de violência, legal e física, está no ar. Precisamos manter viva a
reorganização do sistema político societário que se agigantou neste
momento dramático e estreitar os laços entre seus diversos setores, bem
como com aqueles que, no sistema político centrado no estado, se
comprometem com a democracia. É hora de cada um avaliar onde errou e
onde pode contribuir. Talvez seja mesmo o caso de construirmos uma
associação civil formal que responda, Brasil afora, pela resistência
democrática. O direito nesse sentido será fundamental, da defesa
cotidiana das liberdades daqueles que serão atacados e assediados às
decisões das mais altas esferas, como o STF. Evitar cair em provocações e
medir nossas forças, construindo a unidade a cada momento, será
fundamental, incluindo as próximas eleições municipais, que podem
consistir num plebiscito sobre o governo de Bolsonaro e a democracia.
O Brasil, como qualquer país, somente tem futuro
quando pode imaginar-se e imaginá-lo. Bolsonaro nos imaginou um futuro
triste, de afetos pesados, rancoroso e passadista. Nas ruas, nas
instituições e nas mídias, na semana que passou as forças democráticas
do país começaram, na esteira de mobilizações que vêm de 2013 e mais uma
vez com a decisiva participação da juventude, a reimaginá-lo com os
afetos da alegria e da esperança, com os valores da liberdade, da
igualdade, da solidariedade e da colaboração. Isso não nos garantiu
ainda a vitória, mas nos indicou, sem dúvida, o caminho.
* Sociólogo, professor do Iesp/Uerj