Seis presidenciáveis divulgaram um manifesto “pela consciência democrática”. O texto não cita Jair Bolsonaro, mas afirma que a democracia está “ameaçada” em seu governo. “Cabe a cada um de nós defendê-la e lutar por seus princípios e valores”, conclama.
A carta exalta o movimento das Diretas, que “uniu diferentes forças políticas no mesmo palanque”. “O autoritarismo pode emergir das sombras, sempre que as sociedades se descuidam”, alerta. Curiosamente, os signatários se descuidaram quando o país elegeu um candidato que exaltava a ditadura e ameaçava “fuzilar” adversários.
Dos seis autores do manifesto, cinco pediram voto para Bolsonaro em 2018. Em São Paulo, João Doria chegou a mudar o próprio nome: passou a se vender como “Bolsodoria”. Seu padrinho político, Geraldo Alckmin, definiu a metamorfose como atitude de “traidor”.
O tucano Eduardo Leite também surfou a onda de extrema direita para se eleger no Rio Grande do Sul. Há oito meses, ele disse não sentir remorso pelo apoio ao capitão. “Não tenho arrependimento porque, dadas aquelas circunstâncias, acho que seria muito ruim o retorno do PT ao poder”, justificou.
O discurso é idêntico ao de João Amoêdo. “Não me arrependi porque não tinha opção. Achava pior votar nulo ou no PT”, disse no ano passado o ex-candidato do Novo. Não foi a única declaração que envelheceu mal.
Às vésperas do segundo turno, o apresentador Luciano Huck informou, em vídeo: “No PT, eu jamais votei e jamais vou votar. Isso é fato”. Em defesa de Bolsonaro, ele disse que “as pessoas podem amadurecer”. “Tem uma chance de ouro, né? De ressignificar a política no Brasil”, empolgou-se.
Henrique Mandetta não se limitou a fazer campanha: virou ministro de Bolsonaro. Ciro Gomes viu seu partido apoiar Fernando Haddad no segundo turno, mas preferiu voar para Paris. Depois disse que o capitão não oferecia nenhum risco à democracia.
Nos últimos tempos, cobrou-se que o PT fizesse uma autocrítica dos escândalos de corrupção. É justo, mas também seria bom pedir aos signatários do manifesto que expliquem por que ajudaram o atual presidente a chegar lá.
O sexteto também deveria informar o que fará num possível duelo entre Bolsonaro e a esquerda em 2022. Sem isso, o apelo à “consciência democrática” pode soar como marketing de ocasião.