Em Brasília, quando governo não quer resolver problema, cria-se comissão
KENNEDY ALENCAR
Em Brasília, quando o Executivo não quer resolver um problema, cria-se uma comissão lotada de gente para tratar do assunto. O comitê de autoridades anunciado por Bolsonaro após reunião no Palácio da Alvorada é um exemplo típico dessa tradição candanga.
Parece piada o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), falar em "supervisão do presidente da República" para combater a pandemia de coronavírus.
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A supervisão de Jair Bolsonaro é a responsável pelo agravamento da tragédia no país. Mais gente adoeceu e morreu devido à política sanitária negligentemente assassina do atual governo. O genocida apostou o tempo todo numa imunidade de rebanho terraplanista, dizendo que todo mundo pegaria o coronavírus e que não podia fazer nada, não era coveiro etc.
O Brasil não tem governo. Tem a turma mais despreparada da nossa História em posições de comando.
Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), encenaram hoje a farsa do pacto de união nacional com Bolsonaro, aquele que joga na divisão e no obscurantismo o tempo todo. Pacheco, com trejeito de quem faz sustentação oral em tribunal, mencionou o pacto. Lira e Pacheco, que se acumpliciaram com Bolsonaro, pregaram a despolitização da pandemia. Os estadistas disseram ser a hora de desarmar os espíritos.
Sério?
Políticos falando em despolitizar a maior tragédia sanitária do país num momento em que o número de mortes é recorde?
Desarmar os espíritos?
É hora de armar os espíritos e cobrar de Bolsonaro a devida responsabilidade por ter conduzido o país a um desastre sanitário que assusta o planeta.
Deliberadamente, Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade. Todo criminoso precisa responder por seus atos perante a lei. É o que precisa acontecer com Bolsonaro.
Lira está segurando uma pilha de pedidos de abertura de processo de impeachment. Pacheco se recusa a criar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para apurar os crimes de responsabilidade de Bolsonaro e seus auxiliares. Ambos se omitem e devem ser responsabilizados pela covardia institucional com que agem.
É preciso muito óleo de peroba para falar em coordenação com governadores excluindo quase todos eles do encontro.
Não se ouviu uma palavra sobre quando o país terá mais vacinas o mais rapidamente possível? Quando haverá medida para ajudar pequenos empreendedores? Que medicamentos estão sendo encomendados para o abastecimento hospitalar? O auxílio emergencial será estendido e elevado? Nada foi dito a respeito desses temas.
Mas o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), deu a grande notícia do dia. Todos ali concordaram que a prioridade é salvar vidas. Não se sabe se chegaram a um consenso sobre a água encanada ou se ainda há muita polêmica a respeito desse ponto.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, se uniu à dupla de violinistas de Titanic do Congresso e falou em "esperança".
Primeiro a discursar, Bolsonaro voltou a mencionar o tratamento precoce. E ainda tem gente achando que talvez o presidente possa mudar sua atitude.
Do novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, melhor não dizer nada. Ele é o próprio nada.
Brasília viveu hoje uma cena típica de enrolação política. Houve uma reunião com um presidente genocida, um ministério de negacionistas, meia dúzia de governadores amigos e presidentes de Poder que não têm lealdade às instituições que comandam. Esse teatro do diálogo e união é uma ofensa a quem está adoecendo e morrendo por culpa de Bolsonaro e seus cúmplices. E hora de atos, não de palavras. É preciso pressão e cobrança, não união e harmonia.