Carol Bensimon
No tempo em que todos os hotéis estavam funcionando, Edgar trabalhava
como limpador de piscinas. Ia de um lugar para outro na kombi azul
caiçara, Recanto das Hortênsias, Pousada das Montanhas, Hotel Serrano,
Pousada Edelweiss. As coisas mais bonitas que já ouvira enquanto limpava
piscinas tinham saído da boca das crianças: se o trabalho dele era
salvar insetos – salva-vidas de formiga! –, se ele estava juntando
folhas secas para sua coleção, se ele não era grande demais para brincar
com uma peneira.
O vírus fechou os hotéis. Os gerentes mandaram mensagens de voz
dizendo que não precisariam dos serviços de Edgar por algumas semanas e
encerravam sempre com palavras positivas, mas ele não era nem tão
otimista, nem tão bobo. Por três noites seguidas, ficou rodando pela
cidade. Conseguia enxergar claramente a ruína de tudo. Tinha conhecido o
lugar sem o parque temático da fábrica de chocolates, sem o teleférico,
sem os festivais. Conseguia imaginar o escuro. Conseguia ouvir os
grilos e ver as trepadeiras escalando vagarosamente as colunas de
concreto. Sua referência era o cassino abandonado, multiplicado por mil,
dois mil. Quando jovem, quantas vezes tinha dormido naqueles cômodos
erguidos pela metade? Só precisava de uma garrafa de Velho Barreiro e de
um cobertor. Edgar nunca achou difícil imaginar o fracasso.
O turismo foi a primeira coisa a parecer supérflua na nova
configuração do mundo. Os hotéis reabriram como se fossem reféns
tentando sorrir ao ver os primeiros raios de luz; balões dourados na
entrada, música alta, palhaços sobre pernas de pau, a alegria falsa que
tenta mascarar o trauma. Só que todo mundo estava quebrado. Além disso,
agora as pessoas sabiam do que antes era invisível; se por um acaso
fossem parar num quarto de hotel, respondendo ao velho desejo por
lugares distantes e pela quebra de rotina que, por sorte, poderia ser
parcelado em até seis vezes, era como se vissem os espectros de todos os
que já tinham passado por lá. Um quarto superpovoado. Um museu de
saliva, digitais, células mortas. Quantos outros hóspedes tinham tocado
naqueles mesmos botões do controle remoto?
As piscinas não reabriram. Colaram cartazes de “temporiamente
desativada”. Cartazes de “pensando em sua saúde e sua segurança”. Em um
único dia, Edgar cobriu doze delas. Às margens da última piscina, deixou
uma abelha secando no sol, as asas ainda coladas no corpo frágil, o
abdômen listrado pulsando. Entrou na kombi com tudo que tinha e desceu a
serra na direção da capital.
Trabalhava agora nas casas que ficavam perto do grande lago. Usava
luvas e máscara. Ninguém chegava perto dele. Acionavam o porteiro
eletrônico e sequer apareciam no jardim para perguntar qualquer coisa ou
conferir o que ele estava fazendo. Um copo d’água seria demais. As
pessoas com dinheiro ainda tinham o privilégio de ter medo, então
queriam todo o lazer dentro dos limites da casa. Algumas dessas
construções possuíam muitas décadas de vida, o que se media pelo tamanho
de tudo. Parecia que os sonhos, antigamente, tinham mais espaço para
onde crescer.
De qualquer maneira, enquanto jogava cloro granulado nas piscinas ou
instalava aquecedores solares nos telhados das casas, Edgar achava fácil
imaginar o abandono e o vazio do que via ao seu redor, porque tanta
gente lá fora, em desespero, um dia ia sem dúvida derrubar os portões,
quebrar as janelas e pegar tudo que precisasse realmente e tudo que
achasse que precisava, como estava acontecendo em outros lugares
chamados Quito, La Paz, Buenos Aires, Los Angeles. Ele tinha ficado
impressionado sobretudo com as imagens que viu na televisão de um saque
em uma loja de – parecia piada – televisões! Mas também viu casas
pegando fogo em lugares que agora não lembrava o nome, e gente saindo
com carrinhos cheios de roupas recém lavadas que pertenciam a outras
pessoas. Além desse tipo de notícia cuja trilha sonora era sempre a das
sirenes e das coisas explodindo – ali, ele ainda ouvia o canto dos
passarinhos –, havia as notícias sobre uma segunda onda do vírus, uma
terceira onda, uma quarta onda. Sobre uma coisa, podia ter certeza: as
piscinas de azulejo seriam ruínas mais bonitas que as de fibra de vidro.
Às vezes, de forma tão imprevisível a ponto de causar um leve
arrepio, uma menina ou um menino aparecia atrás de uma janela gradeada.
As coisas mais sombrias que Edgar já ouvira enquanto limpava piscinas
tinham saído da boca das crianças: se aquele pó que ele levava no balde
matava o vírus, se o dragão inflável ia ficar bem depois que Edgar tinha
tocado nele, se ele podia contar um pouquinho sobre como era a vida lá
fora.