O Novo Cafajeste invade as ruas da pós-quarentena
Joaquim Ferreira dos Santos
Vida nenhuma importa para o Novo Cafajeste, este personagem que desde a semana passada se apresenta nas ruas do Rio, saído da quarentena de cem dias.
Em sua primeira aparição o idiota, que também se apresenta como o sr. Novo Normal, debochava dos mortos diretamente do Baixo Leblon. No dia seguinte, gritava para a Guarda Municipal que não sairia de uma aglomeração na Barra. Foi visto também na Zona Norte.
Para que não reste a menor dúvida de que é cada um por si, nem aí para a infelicidade geral da nação, o Novo Cafajeste compartilha o orgulho de seus despropósitos na internet. “Bora ser feliz”, convoca – e mostra no vídeo que sua vacina é uma dúzia de tulipas sem colarinho nos corres dos Baixos. Fuck you, corona!
O cafajeste das antigas ainda cuidava para que ninguém o visse beijando o pescoço da cunhada, e se escondia com alguma discrição no segundo ato de uma peça do Nelson Rodrigues. O Novo Cafajeste deixou o pudor trancado em casa. Fez o out-closet. Ganhou passaporte presidencial, sonha um dia ser eleito com a mesma plataforma de falta de empatia e desconsideração. Nada de máscara. Exibe a todos os dentes de uma canalhice federal - além de achar que esse negócio de máscara não combina com a índole de sua natureza macha.
O Novo Cafajeste foi liberado às ruas na semana passada, autorizado pela flexibilização municipal de seus ídolos, cidadãos de bem contrários aos mimimis da ciência e demais balangandãs de curvas, picos e platôs. Coisas de comunistas. Gayzices!
Como se viu nos bares da cidade recém-aberta, ele quer propagandear o muque e não piscar qualquer sobrancelha de medo. No meio da aglomeração, chama o vírus para o enfrentamento na base da porrada, na certeza de que só otários esperarão pela vacina. O Novo Cafajeste, imortal pela própria natureza, se julga protegido pelo acúmulo de testosterona. É o seu anticorpo – a propósito, já voltou à academia e paga tributo ao privilégio com uma série reforçada de supinos.
O velho cafajeste era parte da adorável lenda do brasileiro cordial. Precisava de uma certa amenidade para esconder suas ignomínias e, devagar devagarinho, chegar onde queria. O Novo Cafajeste, pseudônimo sombrio do sr. Novo Normal, exibe a evidência de sua grosseria.
Segundo o poeta Fabrício Carpinejar, o brasileiro trocou o complexo do vira-latas pela síndrome do doberman, o acovardamento diante dos perigos pela escrotidão da arrogância – e é aí que se ouve o Novo Cafajeste latir alto o desprezo pelo coletivo. Vidas alheias não interessam.
Esse novo personagem da cena carioca passou os últimos três meses trancafiado em casa, inconformado com o pânico dos covardes e a mentira chinesa de tamanha pandemia. Pê da vida, protestou silenciosamente, recusando-se à frescura de mergulhar uma pastilha de cloro na limpeza dos legumes.
Desde a semana passada o Novo Cafajeste escancara geral a revolta pelo tempo perdido. Acabou, porra! Teme que o trabalho em home office possa ter sinalizado, aos parças e às garças, alguma fragilidade ou medo de enfrentar a selva da contaminação. No lugar do luto, promete luta contra tudo que pareça razoável. Parece que veio para ficar, e todos os últimos decretos da República estimulam essa possibilidade - a não ser que a segunda onda lhe faça o devido vírus da justiça.