De LUIZ ANTONIO SIMAS
Faço rápidas e
desorganizadas observações sobre a festa de abertura das Olimpíadas do
Rio de Janeiro. Já posso escutar o sujeito com ares de estátua de
senador do Império indignado com a abertura dos jogos olímpicos
afirmando que o "zé povinho", mesmo no meio da maior crise, insiste em
fazer festa e não toma jeito: "é por isso que o Brasil não presta" é a
sua máxima predileta. Apesar de inimigo dele, o messiânico ativista
social da romantização do precário, puto com as olimpíadas e dotado da
chama civilizatória de fiscal da alegria alheia, acha, por outros
caminhos, a mesma coisa. Eu acho que foi bonita a festa, pá.
Grandessíssima safadeza envolve as realizações desses eventos
gigantescos. A pilantragem representada pelos engravatados do COI, do
COB e da política brasileira nas tribunas não me deixa mentir. Xinguei
os putos e surfei também na onda do malandro pagodinho; deixei a vida me
levar na cerimônia de abertura. Os clichês estavam ali, bem tratados, e
as contradições não me passaram batidas: somos a terra do tambor
sambado e funkeado, sabemos fazer festa na fresta, abraçamos a causa
ambiental enquanto cagamos dentro da Baía da Guanabara, matamos pretos
enquanto dançamos a música dos pretos.
Arrebatado de alegria e
horror pelos jogos na minha cidade, não deixei de constatar o seguinte:
não sei se daqui a quarenta anos uma abertura de grande evento terá como
viabilizar essa abordagem. Assalta-me a certeza de que aquele Brasil
que apareceu, guardadas as estilizações, no Maracanã está namorando o
beleléu. O bonde da aleluia e a carranca dos reaças temerários,
dispostos a nos levar de volta ao passado mais obscuro com grande
competência, estão aí assanhados para nos lembrar o tempo inteiro disso.
Acho, todavia, que zabumbar no fio da navalha é a nossa saída mais
potente. Meus avós tiveram a sabedoria de me ensinar o seguinte: a gente
não faz festa porque a vida é fácil. A gente faz festa exatamente pela
razão contrária. A cultura do samba veio desse aparente paradoxo. Não se
samba porque a vida é mole. Se samba porque a vida é dura. O sentido
das celebrações, ao menos para mim, é esse.
A felicidade já era. O
horror cruzou o caminho do Brasil como o irlandês que atacou Vanderlei
Cordeiro de Lima na maratona em Atenas. A alegria, ao contrário da
felicidade,é que me parece tremendamente subversiva e ligada, como
contraponto desafiador, aos perrengues e sacanagens da vida e da sua
mais puta companheira, a morte. Desde que o samba é samba é assim.
Vanderlei acendendo a pira, o triste mais alegre da história do esporte
olímpico brasileiro, não nos deixa esquecer disso.
Minha onda, por
isso mesmo, é a de mandar a felicidade para a casa do chapéu e desejar,
dando nó no rabo da tirana, que a gente batuque cada vez mais alto,
encante e dispute cada vez mais as esquinas e os espaços com os safados
de plantão. Encante e dispute inclusive os jogos.
Eu já falei que
ritualizo a vida e acho que é no arrepiado das arrelias e na plenitude
dos corpos em trânsito que o mais subversivo dos enigmas há de nos
salvar: a capacidade criadora da alegria nos infernos. Que se fodam os
jogos! Viva os jogos! Cada um que complete na aventura cotidiana da vida
na cidade as reticências do título deste arrazoado, entre os vivas e
que se fodam necessários, retratos da dor da nossa condição e de alguma
fé sebastianista na sobrevivência daquilo que, provavelmente, nunca
fomos.