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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)

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    Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital. Desagua douro de pensa mentos.


    sábado, agosto 06, 2016

    Jogos...

    De LUIZ ANTONIO SIMAS

    Faço rápidas e desorganizadas observações sobre a festa de abertura das Olimpíadas do Rio de Janeiro. Já posso escutar o sujeito com ares de estátua de senador do Império indignado com a abertura dos jogos olímpicos afirmando que o "zé povinho", mesmo no meio da maior crise, insiste em fazer festa e não toma jeito: "é por isso que o Brasil não presta" é a sua máxima predileta. Apesar de inimigo dele, o messiânico ativista social da romantização do precário, puto com as olimpíadas e dotado da chama civilizatória de fiscal da alegria alheia, acha, por outros caminhos, a mesma coisa. Eu acho que foi bonita a festa, pá.


    Grandessíssima safadeza envolve as realizações desses eventos gigantescos. A pilantragem representada pelos engravatados do COI, do COB e da política brasileira nas tribunas não me deixa mentir. Xinguei os putos e surfei também na onda do malandro pagodinho; deixei a vida me levar na cerimônia de abertura. Os clichês estavam ali, bem tratados, e as contradições não me passaram batidas: somos a terra do tambor sambado e funkeado, sabemos fazer festa na fresta, abraçamos a causa ambiental enquanto cagamos dentro da Baía da Guanabara, matamos pretos enquanto dançamos a música dos pretos. 


    Arrebatado de alegria e horror pelos jogos na minha cidade, não deixei de constatar o seguinte: não sei se daqui a quarenta anos uma abertura de grande evento terá como viabilizar essa abordagem. Assalta-me a certeza de que aquele Brasil que apareceu, guardadas as estilizações, no Maracanã está namorando o beleléu. O bonde da aleluia e a carranca dos reaças temerários, dispostos a nos levar de volta ao passado mais obscuro com grande competência, estão aí assanhados para nos lembrar o tempo inteiro disso.


    Acho, todavia, que zabumbar no fio da navalha é a nossa saída mais potente. Meus avós tiveram a sabedoria de me ensinar o seguinte: a gente não faz festa porque a vida é fácil. A gente faz festa exatamente pela razão contrária. A cultura do samba veio desse aparente paradoxo. Não se samba porque a vida é mole. Se samba porque a vida é dura. O sentido das celebrações, ao menos para mim, é esse.


    A felicidade já era. O horror cruzou o caminho do Brasil como o irlandês que atacou Vanderlei Cordeiro de Lima na maratona em Atenas. A alegria, ao contrário da felicidade,é que me parece tremendamente subversiva e ligada, como contraponto desafiador, aos perrengues e sacanagens da vida e da sua mais puta companheira, a morte. Desde que o samba é samba é assim. Vanderlei acendendo a pira, o triste mais alegre da história do esporte olímpico brasileiro, não nos deixa esquecer disso. 


    Minha onda, por isso mesmo, é a de mandar a felicidade para a casa do chapéu e desejar, dando nó no rabo da tirana, que a gente batuque cada vez mais alto, encante e dispute cada vez mais as esquinas e os espaços com os safados de plantão. Encante e dispute inclusive os jogos.


    Eu já falei que ritualizo a vida e acho que é no arrepiado das arrelias e na plenitude dos corpos em trânsito que o mais subversivo dos enigmas há de nos salvar: a capacidade criadora da alegria nos infernos. Que se fodam os jogos! Viva os jogos! Cada um que complete na aventura cotidiana da vida na cidade as reticências do título deste arrazoado, entre os vivas e que se fodam necessários, retratos da dor da nossa condição e de alguma fé sebastianista na sobrevivência daquilo que, provavelmente, nunca fomos.

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