Na segunda-feira, o Papa Francisco vestiu um cocar e pediu aos bispos da Amazônia que ouçam os povos indígenas. “Vocês estão na fronteira, com os mais pobres. Estão onde eu gostaria de estar”, afirmou. O pontífice recebeu um relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que narra o aumento dos conflitos sob o governo Jair Bolsonaro.
“O Papa está muito informado e muito preocupado com a Amazônia”, conta o presidente do Cimi, Dom Roque Paloschi. “Ele foi incisivo. Disse que não podemos ficar indiferentes diante da violência contra a floresta e os povos originários.”
Arcebispo de Porto Velho, Paloschi diz que a região vive um momento “dramático”. “A vida na Amazônia está por um fio. Estamos vivendo numa terra sem lei. O que vale hoje é a lei do mais forte”, desabafa. “Nunca vimos tantas agressões aos primeiros habitantes da Terra de Santa Cruz. As terras indígenas estão sendo invadidas numa velocidade sem precedentes. E os invasores se sentem apoiados pela postura do senhor presidente e do governo federal”.
O bispo diz que o Cimi foi crítico a todos os governos passados, mas nunca testemunhou tantos retrocessos. “Não podemos aplaudir a mentalidade armamentista, a tentativa de criminalizar os defensores dos direitos humanos”, afirma, citando os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips no Vale do Javari.
“Assusta quando a Polícia Federal afirma, antes de investigar, que o crime não teve mandantes”, critica. “Os indígenas e seus defensores enfrentam uma máquina mortífera alimentada por muitos interesses. É público e notório que o narcotráfico está usando trabalhadores simples do garimpo para fazer uma devassa na região”.
Paloschi culpa o governo pelo “desmonte” de órgãos como a Funai e o Ibama, responsáveis pela proteção dos índios e do meio ambiente. “A Funai nunca havia sido comandada por alguém que não fosse indigenista ou antropólogo. Hoje, por vontade do presidente, está nas mãos de um delegado da Polícia Federal com posições anti-indígenas. Isso demonstra que a boiada já passou”, afirma.
O bispo também condena a suspensão dos processos de demarcação de terras. “Desde que Sergio Moro assumiu o Ministério da Justiça, tudo foi paralisado. Há um grande desrespeito aos servidores da Funai, que fazem de seu trabalho um verdadeiro sacerdócio em favor da vida.”
As ameaças não vêm apenas do Executivo. Paloschi vê uma “avalanche de iniciativas” no Congresso para retirar direitos garantidos pela Constituição. Em outra frente, o Supremo discute a tese do marco temporal, que pode inviabilizar novas demarcações. O julgamento foi retirado de pauta pelo ministro Luiz Fux. “A história dos povos indígenas não começou em 1988. Existem povos que vivem na floresta há mais de 2 mil anos”, lembra o presidente do Cimi. Ele também cobra proteção aos povos isolados, que tinham em Bruno Pereira um de seus principais defensores: “São os povos mais ameaçados pelo avanço da ocupação ilegal”.
Em agosto, Amazônia ganhará seu primeiro cardeal. O escolhido é o arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Steiner, outra voz crítica ao desmatamento e à invasão de terras indígenas. “Será um fato histórico, que mostra a grande preocupação do Papa”, diz o bispo Paloschi. “A Igreja não é contra o desenvolvimento. Mas não queremos um desenvolvimento que envenene as águas, derrube as florestas e concentre a riqueza nas mãos de poucos”.
GLOBO