JAMIL CHADE
No final de janeiro, os agentes de imigração dos EUA (ICE, sigla para U.S. Immigration and Customs Enforcement) foram instruídos a se vestir bem e ter um comportamento adequado. A comunicação que muitos deles receberam alertava que aqueles policiais deveriam estar "prontos para as câmeras".
Pilar da política de Donald Trump, a deportação de imigrantes dos EUA se transformou num show diário, alimentando os canais de extrema direita com imagens de pessoas acorrentadas, vultos de seres humanos. A suposta defesa das fronteiras e a expulsão de indesejados passaram a ser elementos centrais num esquema sofisticado de propaganda do poder.
Tudo é pensado para gerar dois sentimentos: o do pavor na comunidade de imigrantes, e o júbilo entre aqueles ávidos por uma "limpeza" de suas regiões.
Ainda que não exista motivo algum para o uso de aviões militares, a escolha do governo foi por usar essas aeronaves nos transportes desses estrangeiros. A imagem é de um país em guerra.
Em termos financeiros, o uso de aviões militares sequer faz sentido. Os jatos têm uma capacidade para levar um número menor de pessoas e são obrigados a parar mais vezes para abastecer.
Um levantamento do jornal The Wall Street Journal revelou que para levar cerca de 80 indianos de volta para seu país de origem, o governo de Trump gastou US$ 2,8 milhões. O voo precisou fazer sete paradas no caminho e teve de ser abastecido no ar em duas ocasiões. Por hora, um voo militar com deportados custa cerca de US$ 28 mil. Em uma aeronave civil, custaria US$ 17 mil. Mas não teria o mesmo impacto, nem entre os deportados e nem na sociedade.
No mesmo estilo da propaganda militar, as operações chegaram a levar ao lado de policiais os jornalistas mais aliados ao governo. Trata-se de uma retomada do sistema de embedded journalists, jornalistas incorporados nas diversas unidades de operação no terreno. Algo que os EUA fizeram ao invadir o Iraque.
No caso da imigração, um dos jornalistas incorporados foi Dr. Phil, um apresentador de TV com enorme audiência e que acompanhou a ICE em Chicago. Durante a campanha eleitoral, ele também estava "embedded". Neste caso, para subir no palanque com Trump e pedir votos ao republicano.
Nas redes sociais, a ICE passou a postar em diversos momentos do dia fotos de estrangeiros, sempre em situações humilhantes, sendo presos. Ao lado, um aviso de que a comunidade em tal cidade agora estava "mais segura".
A escolha estratégica por Guantánamo como destino para esses imigrantes tampouco foi por acaso. Na psique americana, o nome faz parte de um trauma nacional.
Trump, em uma de suas ordens, transformou os cartéis em organizações terroristas. Mas um dos impactos tem sido a generalização da imagem do imigrante como uma ameaça à segurança nacional.
Do outro lado da moeda, um efeito inesperado: americanos comuns se passando por agentes de imigração para intimidar e até estuprar estrangeiros, inclusive legalizados.
A relação entre propaganda e regimes autoritários foi estudado à exaustão ao longo de décadas. Depois de ver sua economia contrair em 30% entre 1929 e 1933, a Alemanha foi tomada por uma propaganda que tinha como objetivo explorar a incerteza e da instabilidade. Com as novas tecnologias de mídia, cartazes e filmes, o país foi tomado por mensagens sobre o trabalho e sobre a família. A propaganda construiu uma imagem de um líder forte e estável que a Alemanha precisava para ser novamente uma grande potência.
Tanto nos anos 30 como hoje, os inimigos do povo também foram escolhidos.
Luzes, câmera, deportação!