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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)

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    Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital. Desagua douro de pensa mentos.


    segunda-feira, maio 01, 2017

    O QUE VIVI NA CINELÂNDIA, CENTRO DO RJ:


    de MARIA ELISA RAMOS SEMEGHINI





    Fui para a Cinelândia ontem, fotografar a manifestação da greve geral contra as reformas trabalhista e da previdência que esse desgoverno golpista quer implantar.

    Fotografo manifestações e passeatas desde 1980, quando fui para S. Bernardo do Campo fotografar a greve dos metalúrgicos e lá, vi e fotografei o Lula pela primeira vez.

    Depois fotografei as passeatas pela anistia e tantas outras,
    inclusive a grande manifestação pelas Diretas Já.

    Considero que o povo nas ruas é a arma mais poderosa que temos contra os sucessivos governos ditatoriais que assolam o Brasil e atrasam o desenvolvimento do nosso país. O povo tem o direito sagrado de se manifestar, de lutar por seus direitos e minhas fotos são minha maneira de contribuir com essas lutas.

    Ontem, na Cinelândia, comentei com minha amiga Mariza Almeida , outra fotógrafa, que estamos passando a maior parte de nossas vidas registrando todas essas lutas populares. Nós registramos a história.

    Já fotografei muitas lutas do povo com a polícia e no meu trabalho diário, também já tive que fotografar obras em favelas onde convivi com traficantes armados, como nas obras do PAC no Complexo do Alemão.

    Não sou heroína nem valentona, longe disso. Sou uma mulher pequena e até recentemente, bem magra. Mas sempre soube me desviar de perigos, sempre coloquei meu trabalho acima de tudo e sempre soube, de alguma maneira, me fazer respeitar.

    Ontem, 28 de Abril de 2017, foi diferente. Minha intuição me dizia que as coisas seriam estranhas. Saí de casa levando uma máquina pequena, não levei meu equipamento profissional, que é pesado. Calcei tênis, fui pra Cinelândia com o coração apreensivo.

    Na Cinelândia encontrei um ambiente tranquilo, as pessoas iam chegando carregando faixas com mensagens de protesto, haviam vendedores de cachorro quente, água, pipoqueiros, a Feira do Livro estava funcionando normalmente, as pessoas trouxeram seus filhos, nem parecia uma manifestação política.
    Fui fotografando os manifestantes, suas faixas, encontrei alguns amigos, tudo pacífico. De repente chega um batalhão da Tropa de Choque da PM marchando rápido em frente ao Teatro Municipal. Achei estranho, porque nas últimas manifestações eles ficavam perto dos trilhos do VLT, parados, sem incomodar ninguém, só nos observando.

    Aí dois caveirões descem a Avenida Rio Branco e entraram na Rua Araújo Porto Alegre, contornando o Museu Nacional de Belas Artes.

    O locutor em cima do palco começou a pedir que a PM não jogasse bombas nos manifestantes, começamos a ouvir o barulho de bombas e senti o cheiro acre do gás lacrimogêneo. Vi que algumas pessoas protegiam o rosto com camisetas, alguns colegas fotógrafos se protegiam com máscaras contra gases e com capacetes - o clima ficou pesado.

    As bombas se intensificaram, eram jogadas diretamente contra as pessoas que estavam ali, pacificamente, desarmadas, haviam crianças, bebezinhos, idosos e muitos jovens. Meu instinto me alertou: corre, que isso aqui vai virar um terror.

    Ainda pensei em fotografar a PM e as bombas, mas a bateria da minha máquina estava acabando e senti que era melhor não tentar bancar a heroína, a coisa ia engrossar de um jeito que eu não sabia explicar, senti que uma coisa muito ruim ia acontecer ali.

    Eu e muitas outras pessoas começamos a correr, tentamos entrar no metrô e encontramos a entrada do metrô fechada, com dois guardas do metrô parados na escada, debochando de quem perguntava como poderiam entrar. Eles disseram que a entrada do outro lado da Av. Rio Branco estava aberta, corremos para lá, era mentira. TODAS AS ENTRADAS do metrô tinham sido fechadas, todas.

    Ficou obvio que o metrô do Rio havia combinado com a PM um modo de encurralar a multidão. E foi exatamente o que aconteceu. Rapidamente percebi que estávamos encurralados. As pessoas corriam desesperadas, bombas eram lançadas diretamente sobre o povo, o cheiro do gás era insuportável.
    Gás lacrimogêneo é uma arma química que seca as vias respiratórias e se inalado em grande quantidade, além de afetar os pulmões, afeta os rins.

    Corri pela Rua Pedro Lessa (ao lado do Centro Cultural da Justiça Federal), sai na Avenida Calógeras mas percebi que ali eu não ia conseguir sair do centro, então voltei pela Rua Santa Luzia, sempre correndo junto com muita gente. Fomos em direção ao começo da Rua Mem de Sá, perto da Escola Nacional de Música da UFRJ. Fiz sinal para um ônibus que ia pra Tijuca, ele não parou. Foi sorte minha porque depois eu soube que os PMs perseguiram as pessoas até a Lapa, por onde esse ônibus ia passar.

    Atravessei a rua e eu e um grupo de pessoas conseguimos pegar um ônibus que ia para Copacabana - o motorista, vendo nossa aflição, abriu a porta, graças a Deus. Já dentro do ônibus nós ouvíamos as bombas explodindo e víamos as pessoas correndo desesperadas, indo em direção ao Aterro, sendo perseguidas pela PM na maior covardia.
     
    O trânsito deu um nó, haviam ônibus e carros vindo de todas as direções tentando sair daquela praça de guerra. Nosso motorista conseguiu passar e fomos para a Zona Sul pela Praia do Flamengo.
    Dentro do ônibus as pessoas estavam indignadas, não só com a truculência e a covardia da PM mas também com a reforma trabalhista e da previdência que esse desgoverno Temer quer impor ao povo brasileiro. Muitos falavam alto contra tudo isso, alguns poucos se mantiveram calados.

    Desci em Botafogo, na Voluntários e peguei o metrô para voltar para a Tijuca. O metrô estava lotado, minha garganta estava seca por causa do gás que eu havia inalado. Nas estações do centro do Rio ouvíamos as pessoas na plataforma do metrô gritarem: Fora Temer! Era um clima de guerra.

    Minha amiga Mariza Almeida me mandou uma mensagem dizendo que ela e um grupo de pessoas estavam dentro de um pé sujo na Cinelândia, que tinha abaixado as portas com todo mundo dentro, fugindo da PM e das bombas. Me deu uma aflição no peito, como é que eu ia ajuda-la a sair daquele horror? Mais tarde ela me passou outra mensagem dizendo que tinha conseguido sair, mas que tinha enfrentado muitas bombas até chegar em casa, em Santa Teresa.

    Outro amigo, o Ricardo Lima também me passou mensagem dizendo que ainda estava na Cinelândia, com bombas explodindo em volta dele. Meu Deus...

    Eu estava tão nervosa que nem sentia cansaço, estava tensa demais, fui para a casa de uns amigos para desabafar com eles, relaxar um pouco. Bebi muita água, é uma maneira de limpar o efeito do gás no corpo da gente.

    Aí nós vimos o Jornal da Record. Pra quê. Fiquei furiosa, os jornalistas e os editores daquela merda de jornal deturparam os fatos, mentiram descaradamente dizendo que o povo tinha começado toda a violência quebrando vidraças de bancos e tacando fogo em ônibus! MENTIRA!

    Foi exatamente o contrário, a PM é que foi instruída para jogar bombas no povo desarmado, que estava pacificamente exercendo o direito de se manifestar. Depois das bombas e da truculência da polícia é que um grupo começou a quebrar vidros e a botar fogo nos ônibus.

    E vamos combinar: fica sempre a suspeita de que os que praticam o quebra-quebra e põe fogo em ônibus são agentes infiltrados da própria polícia, para que essa imprensa vendida tenha material para chamar o povo de vândalo, de vagabundos, de bagunceiros.

    Estamos vivendo novamente numa ditadura, desta vez uma ditadura tão perversa quanto todas as outras, mas não é uma ditadura política - é uma ditadura promovida por corporações de grande poderio econômico.

    Infelizmente uma parte da população brasileira, que carrega na mente vestígios do colonialismo e da escravatura, apoia essa ditadura, como apoiaram todas as outras ditaduras no nosso país. Uns agem assim porque são ricos, se julgam de elite. Outros, pobres ou remediados, apoiam o ditador atual por burrice mesmo.

    Estou bem, apesar de sentir dores no corpo e dor de cabeça. Vai passar. Mas a tristeza que sinto por viver de novo uma ditadura no meu país, essa não vai passar jamais.
     
    Vamos continuar lutando porque eu e os quase quarenta milhões de brasileiros que foram às ruas ontem protestar contra Temer e seus asseclas, sabemos que o Brasil merece um presente melhor e um futuro democrático e grandioso para TODOS.


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