George Santos e a alegria de poder ver a política brasileira pelo lado de fora
JOAO LUIS JR
A política no Brasil sempre caminhou numa esquisita linha entre o trágico e o cômico, como se você estivesse assistindo a série “Chernobyl” e do nada começassem a aparecer na tela personagens da Escolinha do Professor Raimundo gritando coisas como “aí eu vou pra galeeeera”. O genocida protofascista responsável pela morte de milhões é também o cara que ofereceu remédio pra uma ema, o prefeito que roubou o tubo de oxigênio do pronto-socorro da cidade pra usar na choppeira durante um churrasco causou a morte de uma pessoa, o político que falava “estupra mas não mata” é o mesmo que foi liberado da prisão preventiva por estar doente demais e no dia seguinte foi visto comendo pastel na rua.
Isso cria situações em que o humor acaba sendo usado primeiro como mecanismo de proteção – diante da irrealidade da maior autoridade do país, durante uma pandemia, negando a eficiência das vacinas mas oferecendo uma substância sem nenhum efeito comprovado pra uma ave de grande porte, ou você ri ou você chora – e depois como reação natural diante de uma coisa que, bem, é um tanto quanto engraçada mesmo, por mais terríveis que sejam as consequências. Uma ema, galera, o cara tava oferecendo cloroquina pra uma ema. Sério, como que pode.
Ainda assim, é visível que, na maneira como o brasileiro ri da própria política, existe sim um grande elemento de desespero. Rimos do manifestante preso na frente do caminhão mas sabemos que existir gente disposta a algo assim não é exatamente um bom sinal; rimos do terrorista que compra explosivo na mesma loja onde compramos camisa de futebol falsificada mas agora sabemos que tem galera aí comprando dinamite sem medo; rimos do ex-ministro do Bolsonaro que guardava minuta de golpe dentro do armário numa pasta chamada “Pasta inocente sem planos de golpe”, mas não tem como negar o quão perto tanta gente tão imbecil chegou de realmente acabar com a democracia no Brasil.
Exatamente por isso vem sendo tão gostoso, divertido, e até mesmo catártico, acompanhar a fascinante jornada de George Santos, o brasileiro que conseguiu ser eleito deputado nos Estados Unidos usando uma plataforma que consistia basicamente em inventar as histórias mais absurdas que conseguisse, fossem elas úteis ou não pra campanha, e espalhar todas essas informações da maneira mais descompromissada possível.
Dizer que os avós brasileiros nasceram na Ucrânia para parecer que eles foram refugiados da Segunda Guerra? Ele fez isso. Mentir sobre estar estudando numa universidade americana enquanto estava dando cheque sem fundo em Niterói? Ele fez isso também. Dizer que trabalhou na Goldman Sachs enquanto estava empregado numa possível empresa de gatonet? Com certeza ele também meteu essa.
Mas não para por aí, claro. George também alterava a profissão da sua mãe de acordo com o entrevistador – se queria angariar simpatia, ela havia sido faxineira, se queria impressionar de outra maneira, ela havia sido executiva, de qualquer maneira ela teria morrido nos atentados de onze de setembro, o que, bem, também não é verdade.
Além, é claro, da incrível cereja do bolo que é ser um político do Partido Republicado com fortes pautas anti-LGBTQIA+ que, apesar de gay assumido, defende uma forte agenda conservadora, porém aparentemente já participou da parada gay de Niterói com a fascinante alcunha de “Kitara Ravache”, o único nome de drag capaz de remeter, ao mesmo tempo, ao videogame Mortal Kombat e a uma novela do Manoel Carlos.
Nada que não tenha sido necessariamente visto antes no Brasil – quantos políticos bolsonaristas não falsificaram diplomas ou mentiram sobre formação acadêmica, desde Damares que tem mestrado em escola bíblica até Witzel que tinha doutorado em Harvard sem nunca ter ido lá – mas a picaretagem de Santos ganha uma graça especial por não apenas acontecer num momento em que a política brasileira anda gerando mais consternação do que risadas e também servir parar lembrar o quanto a “maior democracia do mundo” sofre com dramas parecidos com o nosso, como também por ser uma pataquada política que, ao menos por enquanto, não coloca nossas vidas em risco, não consome dinheiro nos nossos impostos, não atrasa a vida de ninguém aqui no nosso país.
Isso e, claro, Kitara Ravache. Sério, nem todas as temporadas de Rupaul’s Drags Race conseguem preparar alguém pra um nome tão bom assim.
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