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    quinta-feira, outubro 15, 2015

    Histórias de Miele


    De MARIA LUCIA RANGEL

    Em novembro de 2013 fiz minha última entrevista com Mièle. Ele estava feliz com a perspectiva de futuros trabalhos e contando, como sempre, casos divertidos. Separei três historinhas que ele me contou este dia. A amizade vem de longe, desde que frequentávamos a casa de Elis. As duas últimas fotos são de Beti Niemeyer. A da piscina é de Paulo Garcez.

    Quando se separou de Ronaldo, Elis Regina separou-se também de Miele. Foram cinco anos sem se falar. Até que um dia ele foi avisado: “D. Elis está ao telefone”. Achou que era trote e não atendeu. O mensageiro voltou: “Ela deseja falar com o Carneiro”. Carneiro era seu apelido entre poucos amigos: coxas grossas e cabelos encaracolados. “Você não vem ver meu show não, seu veadinho?”. Típico jeito amoroso de Elis abordar os amigos. Ela estava fazendo um de seus melhores 
    espetáculos, Saudade do Brasil, e reservara uma mesa na primeira fila do Canecão para ele:

    - Ela era perigosa. Por via das dúvidas tomei duas vodkas no botequim ao lado e entrei bem. Elis cantou as primeiras músicas e nada. Eu quase no palco e nenhum olhar dela. Até que sentou-se no chão, disse que tinha uma pessoa ali que fazia parte da sua história e começou a cantar “Amigo é coisa pra se guardar, debaixo de sete chaves, dentro do coração...”. Eu morri, sabe? E ela não conseguiu cantar de tanta emoção, mas o conjunto tocou a melodia ao lado dela. Quando acabou, enxugou as lágrimas e, na minha fantasia, exclamou: “Não te devo mais nada. E tem mais um recado”, e emendou com Sabiá.

    À medida que as histórias são lembradas, Miele vai se animando. Pula de Elis para Bob Short e Tom Jobim e conta do almoço que a socialite Irene Singery ofereceu aos dois, em sua casa. Lá pelas tantas Bob Short falou para nosso maestro: “Você é muito bom. You´re great. Você só não é Cole Porter”. Tom recrutou: “Não sou porque não quero”. Miele lembra que, dias depois, Tom escreveu Chansong: “A música fala de Gloria Vanderbilt, que teve um caso com Bob Short, que ganhou um dinheirão fazendo um jeans com o nome dela. Short morava em Nova York e tinha uma casa na França, gostava de Brahma. A letra fala do “my boss Nesuhi”, que contratou os dois. Enfim, lá estava a resposta de Tom. Como tinha estado com Bob Short no Rio, levei uma fita com a música de Tom para ele, no Carlyle, em Nova York, onde ele se apresentava. Era a noite que marcava o início de temporada e estavam todos vestidos a rigor. E sentados, Kirk Douglas e Jack Lemmon. Lá pelas tantas Short chamou Lemmon para tocar piano Depois se referiu a mim, dizendo que eu vinha do Brasil e perguntou o que desejava ouvir. Escolhi There´s a Small Hotel (Rodgers e Hart).
    De Bob Short Miele vai para Michel Legrand, outra de suas paixões, “um gê-nio”, declara.

    Conheceu-o no Olympia, durante uma temporada de Elis na França. Perguntou se ele faria um arranjo para Elis: “Por que eu se vocês têm o Luiz Eça no Brasil?” Quando fomos para a Alemanha, Elis tinha direito de levar um convidado. Legrand foi conosco. Agora corta. Tempos depois, Legrand se apresentava no 150, uma boate do Hotel Macksoud, em São Paulo. Eu estava com Luiz Eça e revolvemos ir em cima da hora. Não tinha lugar, claro. Estávamos os dois na porta, cantando o porteiro para nos deixar sentar em qualquer lugar quando chegou Legrand. Perguntou se iríamos assistir seu show. Respondi que estava com Luiz Eça e não tinha mais lugar. “Luiz Eça? O lugar dele é no piano.” E levando nosso pianista pela mão sentou-o ao seu lado no piano e tocaram a quatro mãos Verão de 42, La Valse de Lilas e Parapluies de Cherbourg”.

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