JO
minha mae e a magia das letras

Existem as excecoes de filho celerados e maes descerebradas
mas a maioria dos filhos carrega pela vida algumas dividas de gratidao para com suas maes
nem que seja pelo fato de te-los colocado no mundo
a partir do aconchego de seu ventre.

Estive pensando sobre isso e escolhi que
entre a infinidade de coisas emocionantes que aconteceram em nossas vidas
e de coisas sacrificantes ou prazeirosas que minha mae fez por mim
a coisa pelo qual tenho mais gratidao foi que ela me ensinou a ler.

Lembro como para uma pessoa sedenta de conhecimentos poder ler foi uma revolucao - crescente, aa medida que a capacidade de leitura crescia. Eu jah andava revoltado de ter que me guiar soh pelas figuras, sem entender o que eram aquelas letras, o que havia ali, ainda mais que na epoca e lugar nao havia quem lesse pra mim
a nao ser meus pais que nem sempre tinham tempo.

Nao tinha irmaos mais velhos, nem parentes ali, ou baba que soubesse ler, ou amigos que me contassem o segredo das palavras. E nem havia escola pra mim onde pudesse aprender. Eu morava no mato, na beira da selva, e foi minha mae a professora que teve a paciencia de ir me incutindo a magia de se ligar letras e palavras aos sons para decifrar os codigos.

Ela encomendou, pelo correio que chegava em lombo de burro, a colecao de livros de aprender leitura que eram sucesso na America de entao, com os irmaos Dick, Jane e Sally e seus amigos Harry e Tom
(nao por acaso o nome dos personagens no seriado atual Third Rock from the Sun)
Ah sim, claro, tinha o cachorro peralta Spot.

Aa mesa junto aa janela grande que dava pro lago a gente se debruçava sobre os livrinhos. E me lembro hoje nitidamente da sensacao de um vasto mundo se descortinando rapidamente na minha cabeça quando consegui juntar umas coisas aas outras e ler em voz alta que aquelas letras combinavam os sons de

Run, Dick, run.
See Baby Sally go.
Go, Sally, go!

Um tatibitate simplorio que me fez irromper de casa com o livro na mao e correr como louco pelos campos ateh onde o meu pai trabalhava na roça anunciando aos gritos EU SEI LER! EU SEI LER! Olha... see baby sally...

Run, Ricky, run
Go, Ricky, go
aquelas palavras me puseram pra correr e ir pelo mundo devorando mais e mais palavras e personagens e pensamentos e prosas e poemas e polemicas e paragrafos paragrafos sem fim

Mais tarde minha mae encomendaria uma serie chamada Calverts Course - para as maes americanas educarem seus filhos mesmo morando alemmar em cafundos sem acesso aa educadores - e ela passaria a me ensinar a magia tambem dos numeros, e como era o nosso planeta, e a ler as estrelas no ceu, e como as historias tinham acontecido e os insetos se dividiam em especies
e guardo ainda hoje o livro de capa azul que continha os causos da mitologia grega
pois estes ela deixava pra me contar de noite, aa luz do lampiao de querosene, logo antes de eu dormir e sonhar com deuses

E dois anos depois chegou uma professora para ensinar aas criancinhas de toda a regiao - os filhos de indios, os netos de escravos, os alemaezinhos imigrantes - e assim se fez o Grupo Escolar Corrego das Piabas
e comecei a aprender tudo isso de novo em portugues.

Mas a primeira professora a gente nunca esquece.
Ou nao deveria esquecer. No meu caso, minha mae.

E agora eu leio o post que escrevi nesse troço chamado blog e lembro que ela me ensinou o sentido das letras mas tambem o significado das palavras, a força que elas tem e qual o sentido em que elas deveriam caminhar.
No sentido da bondade, da compreensao e do amor pelas pessoas.