Leonam foi um dos inventores de Ipanema
JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS
Carlos Leonam, o jornalista morto semana passada, foi um dos inventores da Ipanema mítica dos anos 60, criador do ritual de aplaudir o pôr do sol e redator primeiro da expressão “esquerda festiva”. Um carioca genial. Ele gostaria, no entanto, tenho certeza, que, ao se escrever o parágrafo de abertura do seu extenso currículo, o autor do texto desprezasse essas glórias públicas. Lembrasse de um mérito particularmente mais sublime — a noite fria em que foi a um restaurante do bairro com a mulher mais bonita do mundo naquele momento, agosto de 1965, a atriz italiana Claudia Cardinale.
Ela viera ao Rio filmar “Uma rosa para todos”, e Leonam, um homem bonito, enturmado, repórter da Tribuna da Imprensa, logo estava com a atriz embarcada no seu fusca azul. Se houve ou se não houve alguma coisa a mais entre eles dois, ninguém pode até hoje explicar. Cavalheiro, Leonam desconversava. Contava apenas, e já bastava para molhar o babador dos machos ao redor, que naquela noite, ao se aproximar do restaurante e ver os paparazzi à espera, Cardinale combinou:
“Quando a gente sair do carro, você bota a mão no meu ombro, e vamos matar teus amigos de inveja.”
No Jornal do Brasil, entre 1967 e 1968, Leonam escreveu a coluna “Carioca quase sempre”, uma coleção fundamental para quem quiser saber dos anos dourados da boemia intelectual de Ipanema.
A performance do elefante no lançamento de um livro no bar Varanda da Nossa Senhora da Paz, a origem da palavra fossa como sinônimo de depressão, a modernidade da modelo Duda Cavalcanti e o coelho do Jangadeiro, que o cartunista Jaguar achava ser o início de um delirium tremens, mas era um coelho mesmo, criado entre as mesas pelo dono do bar — a tudo isso Leonam deu testemunho e, com texto fino, numa bossa editorial que antecipava o Pasquim, publicou no jornal.
Era um embaixador da república ipanemenha. Elegante, conheceu os jovens Mick Jagger e Marianne Faithfull numa roda de boa conversa, como diziam os colunistas da época, no apartamento de Fernando Sabino — e, dado o match, levou o casal para esticar no Antonio’s. Explicou ser a versão carioca do Chelsea Potter, o pub badalado da King’s Road, mas sem dar detalhes das extravagâncias locais. No bar, um bêbado logo se invocou com o estilo hippie do roqueiro e, aos gritos de “tinha pra homem onde você comprou?”, fez um barata-voa com o chapelão dele.
“No futuro você vai usar um”, gracejou Jagger, sempre zen, e recebeu de volta com o chapéu as desculpas do fotógrafo David Zingg, “I apologize for Rio”, que bebia na mesa ao lado com Zózimo Barrozo do Amaral. Na coluna, parodiando a recém lançada gíria do “falou e disse”, Leonam escreveu: “Mick spoke and said”.
Ele foi um historiador dos bares, das barracas de intelectuais no Posto 9, e foi também quem sugeriu ao prefeito Júlio Coutinho a troca do nome da Montenegro para Vinicius de Moraes. Antes que eu tenha ideia parecida, de dar ao jornalista a placa de alguma rua do bairro que ele ajudou a lançar para a mitologia dos paraísos internacionais, é melhor ficar por aqui. Deixar apenas este abraço do Joaquim no Manoel (Leonam ao contrário) e a eterna invejinha branca pelo que houve ou que não houve com a Cardinale.
GLOBO