Flotilha para Gaza (3)
THIAGO ÁVILA
Embarco entendendo que sou uma das pessoas entrando do outro lado dessa cadeia da indústria da guerra. Que nossa jornada para chegar em Gaza com medicamentos e alimentos que combatam a fome gritante nos colocava potencialmente junto com o povo palestino na mira dessas balas e dessas bombas.
Eu tenho total ciência de que os governos de Estados Unidos e Israel farão de tudo para impedir que a Flotilha da Liberdade alcance Gaza e rompa o bloqueio. Eu e todas as mais de mil pessoas entendemos que os riscos são enormes, mas também entendemos que deve ser feito.
Depois de fazer tudo que estava ao meu alcance do Brasil, do Egito e mobilizando tudo que pude nas redes, nas ruas, no parlamento, nos veículos de comunicação, representar o Brasil na ação direta não-violenta mais importante da nossa geração me parecia exatamente o que eu deveria fazer.
No último trecho de vôo, pois após Istambul seguiremos de barco, minha cabeça pensava nas várias ações não-violentas que foram impactantes na história. Na corajosa luta de Gandhi durante a independência da Índia, na inspiradora mobilização de Martin Luther King Jr. e o movimento negro na luta por direitos civis nos Estados Unidos (inclusive com “caravanas da liberdade”, que também desafiavam um regime de segregação indo em ônibus para lá).
Lembrava das outras edições da Flotilha da Liberdade, que também tentaram romper o cerco a Gaza com barcos com ajuda humanitária e foram atacados por Israel (que em 2010 inclusive matou 10 ativistas durante a tomada de um dos barcos).
Sobretudo, lembrava das ações de extrema coragem do povo palestino, como as Grandes Marchas do Retorno, as greves de fome nos porões das prisões israelenses, entre tantas outras ações não-violentas que o mundo ignorou.
A verdade é que o povo palestino luta há décadas com uma grande diversidade de táticas, grita de todas as formas possíveis e imagináveis, mas o mundo só prestou atenção (antes de outubro) nas vezes que os palestinos reagiam, então a grande imprensa utilizava essa reação para tirá-la de contexto e culpar os próprios palestinos por sua situação.
Desembarquei em Istambul me mantendo totalmente convencido do grande propósito por trás dessa ação de solidariedade e do papel histórico-politico dessa ação direta não-violenta para aumentar a pressão sobre Israel para parar o genocídio e diminuir a fome de milhares de palestinos em Gaza.
É madrugada aqui, então me resta encontrar o meu alojamento, dar notícias ao grupo mais próximo de assistência no Brasil, me atualizar sobre como está minha companheira Lara, milha filhota Teresa, minha mãe (também Teresa), descansar e me preparar para encontrar amanhã todas as delegações internacionais nos últimos preparativos antes de zarparmos para Gaza.
É curiosa a sensação de fazer um diário de viagem novamente após tantos anos. As últimas vezes que fiz foram quando estive em Cuba, nos territórios zapatistas em Chiapas, no México, e nas missões de solidariedade aos povos Guarani-Kaiowá, todas há mais de 10 anos.
Desde então realizei diversas ações de solidariedade
internacionalista, mas não documentava diariamente as ações e
pensamentos. Espero que tenha utilidade e agregue algo para quem lê
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