A cartilha do Feder
"E imprimir materiais didáticos por conta
própria é uma prática que afeta os profes-
sores há muito tempo. A gente precisa im-
primir apostilas e outros materiais com
os nossos próprios recursos, com o nosso
salário, as nossas impressoras. Mas, ago-
ra, imprimir apostilas para os alunos vai
ser impossível, isso torna o trabalho em
sala de aula totalmente inviável.” Gon-
çalves, efetivado na rede pública em 2011,
afirma que, nos últimos anos, “o plano de
carreira foi jogado pelo ralo”. “Essa estra-
tégia de dividir os professores em muitas
categorias serve para evitar que a gente se
organize, os professores mais novos estão
no fio da navalha, não se sentem seguros
para questionar as iniciativas do gover-
no.” O maior problema da digitalização,
prossegue, é não ter sido discutida com a
base. Se o governo assim o fizesse, desco-
briria a falta de estrutura das unidades de
ensino. “Quando há muitos aparelhos co-
nectados no wi-fi, a internet simplesmen-
te não funciona e os professores precisam
rotear o próprio sinal para os alunos. Esse
é só um dos problemas do dia a dia.”
Segundo Gonçalves, as novas apostilas
têm cada vez menos conteúdo e obrigam o
aluno a recorrer ao celular com frequên-
cia. Alguns materiais se limitam a exibir
o título do texto a ser trabalhado em sala
de aula e oferecer um QR Code com aces-
so ao conteúdo completo. “Um aluno de
escola pública não tem um celular bom.
A maioria ganhou o telefone de segunda
mão dos pais, que já estava velho. As ba-
terias não duram, é comum ver aquela te-
la toda trincada, os aparelhos não supor-
tam muitas vezes os aplicativos. É uma
realidade muito dura.”"
"O novo projeto estabelece ainda um
roteiro em slides, que impede o professor
de buscar alternativas. CartaCapital teve
acesso a esse material. O tempo é crono-
metrado para cada tópico, cujo máximo
de explanação não passa de três minutos.
Os professores não são tolhidos somen-
te pelo material didático limitado. No co-
meço de agosto, o governo estadual pu-
blicou uma portaria que obriga diretores
a assistir ao menos duas aulas por sema-
na de cada professor, e enviar um relató-
rio aos superiores. “Isso acontecia antes
também, mas agora se intensificou. É o
que a gente chama de ‘presenciômetro’. É
uma situação muito constrangedora pa-
ra todo mundo, porque o diretor também
é observado e acaba tendo mais essa atri-
buição, além de todas as demais respon-
sabilidades na escola”, afirma Gonçalves."
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