Vanguardeiros do avanço
LUIZ GONZAGA BELLUZZO
Inspirou-me, ainda uma vez, o edito-
rial da Folha de S.Paulo intitulado “A
Vanguarda do Atraso”. A peça opi-
nativa condena a mobilização do BNDES
em direção ao financiamento das empre-
sas brasileiras, porventura empenhadas
em empreendimentos no exterior.
Com argumentos do mesmo jaez,
e s s e s Va ng u a r dei r os do Av a nç o
contribuíram para a montagem do sólido
arranjo conservador que avassalou o País
na Era Temer-Bolsonaro. Em sua cami-
nhada produziram o “encolhimento” da
economia brasileira. Destruíram empre-
sas, amofinaram a indústria, tudo em no-
me da modernidade e da globalização. Os
resultados todos sabem: o desemprego, a
deterioração das grandes cidades, a vio-
lência, que não para de aumentar.
As mudanças na composição da rique-
za explicam a combinação entre as polí-
ticas econômicas de austeridade e a sa-
nha das privatizações de bens públicos,
sobretudo empresas estratégicas para o
crescimento, tais como a Eletrobras. O
privatismo à brasileira é irmão gêmeo
do rentismo que exercita seus propósitos
ao extrair valor de um ativo já existente
e gerador de renda monopolista, criado
com dinheiro público. A onda de privati-
zações obedece à lógica patrimonialista e
rentista do capital financeiro, em seu fu-
ror de aquisições de ativos já existentes.
Nada tem a ver com a qualidade dos ser-
viços prestados, mesmo porque os exem-
plos são péssimos. Em geral, no mundo,
a qualidade dos serviços prestados pelas
empresas privatizadas declinou, acom-
panhando o aumento de tarifas e a dete-
rioração dos trabalhos de manutenção.
A cumeeira da obra foi, sem dúvida,
construída com o material produzido
nas linhas de desmontagem do liberalis-
mo das cavernas, que impôs juros de agio-
ta, imobilizou as políticas fiscal e mone-
tária, sufocando a capacidade de cresci-
mento. A isto os profetas da turbulência
permanente, os porta-vozes do “merca-
dismo”, chamaram de ajuste. A despeito
do notório fracasso, os Vanguardeiros do
Avanço pedem a manutenção do roteiro.
Mas quem é esperto já sabe: tocar a eco-
nomia no diapasão da dupla Temer-Bolso-
naro é comprar a receita para o desastre.
Daí a satanização do governo Lula e
de suas propostas de política econômica.
Diante do despotismo e da cegueira, ine-
rentes aos mercados da riqueza, o proble-
ma não é mais o de arriscar o mandato ao
tratar de questões econômicas, mas sim o
de ganhar, mas, na prática, não levar.
É preciso ter claro que a tendência
marcante do nosso tempo é a crescente
separação entre o poder e a política: o
verdadeiro poder, capaz de determinar
a extensão das opções práticas, flui e,
graças à sua mobilidade cada vez menos
restringida, tornou-se virtualmente
global, ou melhor, extraterritorial.
É o caso da famosa “mão invisível”
celebrada pelos liberais e encarnada no
capital financeiro. Os critérios da ação po-
lítica racional, democrática e libertado-
ra, não se aplicam à agenda criada pelas
forças desses mercados em que circula e
é avaliada a riqueza mobiliária. Tais for-
ças não são racionais nem irracionais,
simplesmente cumprem os desígnios de
sua natureza, dilacerada entre a “ganân-
cia infecciosa” e o colapso da histamina.
Diante dessa configuração do poder, a
esfera pública tornou-se prisioneira nos
palácios de governantes reféns da opaci-
dade da informação gerada nas grandes
empresas de mídia. Para a vida privada
sobrou o narcisismo e o voyeurismo dos
reality shows.
Esses processos visíveis e simultâneos
de crescente inacessibilidade do “públi-
co” e de espetacularização do “privado”
decorrem da sociabilidade peculiar im-
posta pelo movimento “invisível” da mão
que guia o curso dos mercados, em sua al-
ternância de euforia e timidez.
“Não há alternativa”, proclamam os
adeptos do neoliberalismo. Sobre esse
pano de fundo Margaret Thatcher foi
capaz de anunciar a morte da sociedade
e o triunfo do indivíduo.
É duvidoso que o indivíduo projetado
pelo Iluminismo tenha, de fato, triunfado.
Triunfaram, sim, a insegurança e a impo-
tência. Tal sensação de insegurança é o re-
sultado da invasão, em todas as esferas da
vida, das normas da mercantilização e da
concorrência, como critérios dominantes
da integração e do reconhecimento social.
Nos países em que os sistemas de proteção
contra os frequentes “acidentes” ou falhas
do mercado são parciais ou estão em fran-
ca regressão, a insegurança assume for-
mas ameaçadoras para o convívio social.
CARTA CAPITAL