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    quinta-feira, abril 27, 2023

    Poderá sobreviver no futuro imprensa sem repórteres, só com comentaristas?

    RICARDO KOTSCHO

    Nota do autor: antes de começar a escrever este texto, quero informar aos leitores que não estou advogando em causa própria, já que, por questões de idade e de saúde, não trabalho mais como repórter, já faz algum tempo. Sou hoje apenas comentarista, colunista, analista, blogueiro, como queiram. Não vou mais onde a notícia está, como fiz quase a vida inteira nos últimos 59 anos. É mais ou menos como os ex-jogadores de futebol que se tornam comentaristas de TV.

    Preocupo-me, porém com o futuro do nosso ofício, pois tenho uma neta, a Laurinha, estudando na faculdade de jornalismo para ser repórter. O que direi a ela sobre o que está acontecendo no nosso mercado?

    Notei que nas recentes demissões por baciada na TV Globo, em sua grande maioria, os atingidos pelo facão eram repórteres. Entre eles, os melhores do elenco, o Marcelo Canellas, 57, e o Ernesto Paglia, 64. Sim, eram os profissionais de salários mais altos nesta função, mas esse não poderia ser o único critério, nem a idade (muito mais jovens do que eu, por exemplo...).

    Comentaristas, em geral, foram poupados. Eles já são a maioria em alguns produtos da casa, para infortúnio dos telespectadores, cansados de ouvir "eu acho que, na minha opinião...".

    Uma honrosa exceção de longevidade no emprego é o magnífico repórter Caco Barcellos, 73, mas este é um caso à parte, pois criou um programa próprio, o "Profissão: Repórter", com a sua grife e uma equipe de jovens formados na labuta por ele mesmo.

    Isso me fez imaginar como será o jornalismo do futuro, uma vez que comentaristas e colunistas só podem fazer comentários a partir das informações trazidas das ruas pelos repórteres, a matéria-prima básica de qualquer forma de jornalismo, novo ou velho. Sem essa fonte primária, eles vão comentar o quê?

    Esse desequilíbrio não se vê só nas emissoras de televisão, mas também nas redações dos principais jornais, rádios e revistas, onde cresce cada vez mais o número de colunistas e diminui o quadro de repórteres. Quando comecei, nos anos 60 do século passado, o cenário era exatamente o inverso: para 200 ou até 300 repórteres (incluindo sucursais e correspondentes), havia meia dúzia de colunistas fixos. Daqui a pouco, veremos acontecer o contrário nas redações. Corremos o risco de ter mais colunas do que a Grécia Antiga...

    Foi-se o tempo das grandes sucursais, que abasteciam as matrizes, não só de notícias locais, mas de novos talentos para as redações. O melhor exemplo era a formidável rede de sucursais e correspondentes, montada pelo grande jornalista Raul Martins Bastos, no velho Estadão (hoje Estadinho), que cobria praticamente todo o país, coisa que hoje só a TV Globo pode se dar ao luxo de fazer.

    Sim, eu sei, mudou o modelo de negócios, as novas mídias estão engolindo as velhas, caiu o faturamento, mas o fato é que também nos portais e sites alternativos o cenário é o mesmo: encontra-se mais comentaristas, blogueiros, analistas, colunistas, etc, do que repórteres em suas redações. Nas redes sociais, todo mundo agora acha que é jornalista e pode fazer seu próprio jornal. Não é bem assim.

    Aqui há uma honrosa exceção: a Agência Pública, uma cooperativa independente fundada e dirigida há 12 anos por duas jornalistas, Marina do Amaral e Natália Viana, que está formando uma nova geração de repórteres da melhor qualidade.

    Para tornar ainda mais desfavorável o cenário aos repórteres de oficio e, por tabela, para os leitores, internautas, telespectadores e ouvintes _ , as noticias propriamente ditas estão se tornando commodities, moedas de troca entre empresas concorrentes. Isso só tende a encurtar cada vez mais o mercado de trabalho, com o advento da inteligência artificial que está tomando conta de tudo e se alastrando por toda parte numa velocidade assustadora.

    Ainda bem que mesmo os robôs irão precisar que alguém vá às ruas para colher notícias em primeira mão, ouvir os outros, descobrir o que está acontecendo onde o povo vive, para poder depois poder contar e alimentar o conteúdo de mídia, em todas as plataformas, até das milícias digitais, que depois as transformam em fake news.

    Sem repórteres, não haverá mais imprensa como a conhecemos hoje, e as redes sociais vão ficar dando voltas em torno do próprio rabo sem ter novidades para comentar.

    Lembro sempre que, antes de ser um premiado escritor, Gabriel Garcia Márquez foi um grande repórter _ para ele, a melhor profissão do mundo. Também acho...

    Vida que segue.


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