Os livros podem voltar a ser lidos agora que estão livres de falhas morais
Ricardo Araújo Pereira
Esta semana calhou a Agatha Christie a distinção de ter os seus livros corrigidos pelos chamados leitores de sensibilidade. Ela já não está aqui para desfrutar do privilégio, mas nós devemos regozijar-nos.
É um alívio podermos ler agora os livros expurgados de palavras feias e ideias degeneradas. E só podemos fazê-lo devido ao esforço abnegado dos leitores de sensibilidade, que se sacrificaram por nós, lendo os livros perigosos e desarmadilhando-os, para a nossa segurança.
No entanto, e para que a profissão seja menos arriscada, os leitores de sensibilidade são escolhidos com o seguinte critério: não devem saber ler nem devem ter sensibilidade.
De outro modo, a versão original dos livros poderia ter neles o mesmo efeito fatal que teria nos leitores comuns.
Se soubessem ler, perceberiam a diferença entre uma personagem e o autor, e se tivessem sensibilidade poderiam ser sensíveis ao contexto histórico em que um texto foi escrito.
Assim é mais seguro. E foi com essa pobreza de espírito (que além da profissão de leitores de sensibilidade também lhes garante o Reino dos Céus) que fizeram as seguintes emendas: no livro "Mistério no Caribe", um empregado indiano de hotel sorri para Miss Marple, e ela acha que ele tem "lindos dentes brancos".
No entanto, e para que a profissão seja menos arriscada, os leitores de sensibilidade são escolhidos com o seguinte critério: não devem saber ler nem devem ter sensibilidade.
De outro modo, a versão original dos livros poderia ter neles o mesmo efeito fatal que teria nos leitores comuns.
Se soubessem ler, perceberiam a diferença entre uma personagem e o autor, e se tivessem sensibilidade poderiam ser sensíveis ao contexto histórico em que um texto foi escrito.
Assim é mais seguro. E foi com essa pobreza de espírito (que além da profissão de leitores de sensibilidade também lhes garante o Reino dos Céus) que fizeram as seguintes emendas: no livro "Mistério no Caribe", um empregado indiano de hotel sorri para Miss Marple, e ela acha que ele tem "lindos dentes brancos".
É óbvio que estou arrependido e peço desculpa. Estas e outras alterações contribuem, sem dúvida nenhuma, para purgar piedosamente os livros, e constituem uma excelente alternativa ao antigo método purificador, que era queimá-los.
Devidamente livres de falhas morais, os livros podem, enfim, continuar a ser lidos.
Estas são alterações devotas. São correções beatas. São erratas de sacristia.
FOLHA