História de 50 anos da HBO traduz triunfo da liberdade criativa
Mauricio Stycer
Lançada em novembro de 1972, com 375 assinantes, numa pequena cidade da Pensilvânia, a HBO
gramou alguns anos até se tornar um negócio viável. Investindo em
transmissões ao vivo de lutas de boxe, sucessos de Hollywood e
documentários originais, foi aos poucos encontrando a sua cara e se
diferenciando dos concorrentes.
Cinquenta anos depois, é possível dizer que a HBO é uma instituição
cultural, com um impacto global sem precedentes no mercado de
comunicação. A história do canal ajuda a compreender boa parte das
transformações ocorridas na televisão nos últimos 50 anos.
Em 1996, já identificado como um canal sem concorrentes na TV paga, mas
buscando convencer o espectador de que a sua programação era melhor
também do que a exibida pelas grandes redes de TV, a HBO lançou um novo
slogan, que resumia com presunção a sua originalidade: "It's not TV"
("Não é TV").
É justamente esse o título do livro que celebra o cinquentenário do
canal, escrito pelos jornalistas Felix Gillette, da Bloomberg, e John
Koblin, do The New York Times. Ainda que lançado num momento de muitas
incertezas sobre o próprio futuro da HBO, é um presente para quem se
interessa pela história da televisão.
Navegando o tempo todo entre negócios e entretenimento, "It's Not TV"
mostra que a HBO não é resultado da visão de um executivo genial, como a
Netflix, por exemplo, mas fruto da construção coletiva de uma cultura
interna, que sobreviveu a diferentes executivos.
O ponto central é que a HBO sempre apostou em liberdade criativa. Os
produtores que procuravam o canal querendo saber que tipo de programa a
HBO queria fazer ouviam, em resposta, que aquela era uma pergunta
considerada errada. O canal preferia ouvir o que os criadores desejavam
fazer e valorizava as ideias com potencial de produzir "ruído de
qualidade"
De "Sopranos" a "White Lotus", passando por "The Wire" e até mesmo "Game of Thrones", entre outras dezenas de criações muito acima da média, as vitórias da HBO seguem um mesmo padrão: ignorar o que o público poderá pensar a respeito de determinado projeto, ou o que dizem as pesquisas, e ouvir os criadores ligados ao canal.
Nas primeiras três décadas, a cultura interna do canal foi também
excessivamente masculina e tóxica, mostra o livro. Um caso de assédio
cometido por um executivo foi abafado por anos. As mulheres tinham
dificuldades de se fazer ouvir internamente. O sucesso de "Sex and the
City", em 1998, marca o início de uma virada com impacto na programação e
nas relações internas da empresa.
O cardápio recente da HBO mostra que há espaço não apenas para
anti-heróis imprevisíveis ("Succession") como também para heroínas
imperfeitas ("I May Destroy You", "Sharp Objects", "Euphoria", "Mare of
Easttown", entre muitas outras).
A história da HBO também inclui de erros de avaliação (o canal recusou o
projeto de "Mad Men") e, sobretudo, de falta de visão em momentos
cruciais do negócio. O canal subestimou a Netflix e demorou tempo demais
para traçar uma estratégia competitiva no mercado de streaming.
Não à toa, em 2013, o executivo Ted Sarandos disse que o objetivo da
Netflix era se tornar a HBO mais rapidamente do que a HBO se tornasse
uma Netflix. E o fundador Reed Hastings disse que não estava tentando
copiar a HBO, "mas tentando fazer melhor do que eles".
Ainda assim, a HBO sobreviveu. No quarto trimestre de 2022, a empresa
contava com 96 milhões de assinantes globalmente, somando os da TV a
cabo e os do streaming. É muito menos que a Netflix, mas esse número a
mantém como um dos grandes "players" do mercado.
E, como mostrou a estreia da quarta temporada de "Succession", segue produzindo conteúdo original e gerando "ruído de qualidade".
FOLHA