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  • O BRASIL EH O QUE ME ENVENENA MAS EH O QUE ME CURA (LUIZ ANTONIO SIMAS)

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    Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital. Desagua douro de pensa mentos.


    sexta-feira, janeiro 20, 2023

    Fotojornalista da Folha explica processo de criação de imagem de capa desta quinta (19)

     



    BRASÍLIA

    Depois de cobrir a violenta invasão golpista de 8 de janeiro, em Brasília, em que a democracia e os edifícios que representam os Poderes ficaram feridos, ver a vida voltando ao normal no Palácio do Planalto é um privilégio. Assim como ver suas cicatrizes.

    Nesta quarta (18), na cobertura do evento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Salão Nobre com as centrais sindicais, entre cartazes que repudiavam a anistia e pediam "punição aos fascistas", os trincos nos vidros gritavam.

    A técnica de múltipla exposição é vastamente usada no fotojornalismo e existe desde o analógico. Ela consiste em um, dois ou mais cliques que sobrepõem imagens em um mesmo fotograma, sem edições no pós: tudo feito no olho, na câmera.

    Ao ver o Palácio ferido e a vida acontecendo normalmente, refleti sobre qual seria a melhor forma de traduzir o que eu estava sentindo —fotojornalismo não é só registro, é também tradução do ambiente, no caso, do ambiente político —e pensei nessa técnica antiga de dupla exposição.

    Apontei a câmera para os trincos do Palácio e depois para o presidente que estava no andar de baixo. Esperei. Esperei por uma expressão que simbolizasse aquilo que eu estava lendo: o Palácio resiste.

    O presidente ajeitou a gravata e fiz o segundo clique. Duas realidades, separadas por cerca de 30 metros, mas que já existiam no simbolismo que o fotojornalismo permite, se juntaram na minha câmera.

    Para além do registro, qual ministro estava aonde, nos cabe uma outra camada de leitura, e para executá-la são permitidas várias ferramentas: a escolha de lente, se terá distorção ou não, sobreposição ou não de planos, eliminar elementos pelo desfoque, usar ou não luzes artificiais como flash, o ângulo do flash, o ângulo da foto, a escolha de um gestual perfeito com carga simbólica, edição, corte para valorizar uma narrativa e, sim, longa exposição e a dupla exposição —essa última menos comumente vista no fotojornalismo político, talvez daí o estranhamento.

    A foto única trouxe sentimentos ambíguos e leituras diferentes; a meu ver, todos válidos. Há quem veja um presidente derrotado e morto, vítima da violência, há quem veja um poder inabalável, reconstrução, blindagem, resistência, entre muitas outras interpretações.

    Como autora da foto, não vou dizer o que as pessoas têm que sentir, respeito como a foto chegou a quem viu violência. Mas a verdade não é uma só. Como a autora da foto, aceito as críticas. Ninguém é obrigado a ver o mundo da mesma forma que eu.

    Gosto da abertura do debate, inclusive sobre as leis não escritas do fotojornalismo.

    FOLHA




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