Para que servem as imagens?
de LILIA SCHWARCZ
Para variar a Folha de S. Paulo pretende fazer notícia com uma imagem: ser assim a notícia, não a informação.
Na reportagem de hoje, com a República brasileira arrumando a casa, voltando à normalidade depois do acesso de vandalismo golpista do dia 8 de janeiro, o jornal resolveu dar na capa uma foto de Gabriela Biló que estampa Lula arrumando sua gravata, com rosto levemente reclinado, sorriso tímido, e em destaque sua mão esquerda. Em um dos dedos aparece uma aliança. Chama atenção, porém, a falta de um dedo; resultado de um acidente quando Lula trabalhava como metalúrgico, e que já se colou à imagem do presidente; manipulada como forma de exaltação por alguns, e por vezes como ironia preconceituosa. Lula aparece em meio à uma vidraça estilhaçada, revelando fragilidade. Há um tiro na altura do coração do presidente ressoando o suicídio de GV.
A imagem é uma fotomontagem; técnica presente na fotografia desde seu nascimento em meados do século XIX, quando levava o nome de “trucagem”.
O conceito é correto. Esses são “truques” feitos pelos profissionais, desde o início da técnica, para conseguirem efeitos visuais, em geral, pouco verdadeiros.
A técnica da multi-exposição logra um efeito ampliado e artificialmente criado. Uma manipulação não um instantâneo. Não tenho dúvidas da qualidade da foto. Mas tenho muitas dúvidas sobre a ética dela.
Não é a primeira vez que a Folha usa desse expediente para vender jornal. Para que serve esse tipo de “brincadeira” leviana? Mostrar a fragilidade do governo Lula? Que o coração da república foi atingido? Semiótica fácil!
A Folha se posicionou várias vezes sobre Lula — famosa é a expressão equivocada “PEC da gastança” e a foto que estampou no primeiro turno (como se Lula tivesse perdido a eleição, não o oposto). São “truques nocivos”, num contexto que precisamos ter responsabilidade e ajudar na luta pelo fortalecimento da democracia, contra o golpismo.
Imagens assim resultam em prêmios, e chamam atenção. Porém, omitem a mentira que nelas carregam; são perigosas e nada inocentes. Susan Sontag disse que a fotografia nasceu para mentir. Foi isso que fez o jornal. Cedeu lugar para o jogo de efeito, não para a sua verdade