“Serviço” militar

 

Arnaldo Branco 

Você já deve ter ouvido a frase “inteligência militar é uma contradição em termos”, atribuída a vários autores (inclusive ao Groucho Marx) mas que tudo indica ser uma criação do inglês John Charteris que era, olha só, um general da inteligência militar britânica. Mais lugar de fala do que isso só Dado Dolabella discutindo feminismo. Mas existe outra expressão comum que também é um oxímoro: serviço militar. 

Porque os nossos militares 1) não fazem muita coisa além dos rituais obscuros que eles mesmos inventaram — tipo ficar em posição de sentido para ser inspecionado por um velho de farda, o que parece mais o relato do prenúncio de uma orgia Romana do que a descrição de um trabalho 2) são responsáveis por tarefas inexistentes como defender o país em guerras que a gente não se mete desde o século dezenove 3) quando trabalham, fazem um serviço de porco, como a da patrulha das nossas fronteiras, que são mais fáceis de cruzar se você for um míssil Stinger contrabandeado do que um turista.

A única tarefa que eles cumprem com esmero é um bico ilegal: intimidar a democracia toda vez que seus privilégios injustificáveis são ameaçados. Desde antes da República os militares entram em cena quando não ficam satisfeitos com a vontade do povo, contra quem praticam tiro ao alvo na falta de um exército inimigo de verdade — que com seu arsenal obsoleto não conseguiriam derrotar, de qualquer maneira. Todo militar é na verdade um sequestrador (que pelo que sei ainda não é uma profissão regulamentada) e pra gente sobrou ser refém.

E vendo quais são esses privilégios dá até pra entender o empenho. Estabilidade, assistência médica, assistência educacional, moradia, auxílio natalidade, auxílio funeral, auxílio transporte. Parece até um catálogo de todos os direitos que os trabalhadores civis perderam nos últimos anos. Sem falar nos adicionais. Só as pensões a que as filhas dos militares têm direito custam mais aos cofres públicos do que todo o orçamento do Bolsa Família, tudo isso pelo grande mérito delas terem nascido. É o cabide de emprego mais superfaturado da História.

Na verdade as forças armadas são um esquema de pirâmide onde você começa por baixo e em tese pode subir no organograma para ganhar mais — dinheiro público, lembrando, curiosamente os críticos do Estado inchado sempre tiram os militares da equação. Aliás tem muita gente que defende o serviço militar como um sistema de inclusão social porque muitos negros pobres tentam fazer carreira se alistando. Mas aparentemente essa pirâmide tem elevador privativo: até hoje o exército brasileiro só teve onze generais negros, mais um desses estranhos infortúnios que parecem acontecer de acordo com a dose de melanina.

E agora, com os atos terroristas do último fim de semana, as forças armadas de novo fizeram mais uma tentativa de tumultuar a política nacional só porque o Marechal Fulano não pode viver sem seu ajudante de ordens. Sim, porque por mais que se fale em Bolsonaro, políticos, pastores evangélicos, financiadores e youtubers de extrema direita esse movimento todo só foi em frente porque os militares, antipetistas até a medula e putos com as primeiras exonerações dos inacreditáveis oito mil cargos cedidos pelo governo anterior, sinalizaram de forma dúbia que poderiam, sim, quem sabe, embarcar. Uns buchas pagaram pra ver e devem sofrer as consequências sozinhos.

Ou seja: de novo os milicos não trabalharam; mas sim terceirizaram o serviço, ainda bem que para um bando de fanáticos tão incompetentes quanto eles.

CONFORME SOLICITADO
https://conformesolicitado.substack.com/