Por que esta foi a melhor final de Copa da história, mesmo que eu não tenha certeza
Thales Machado
Tenho pena de quem não se sente absolutamente satisfeito pela delícia que é cometer um exagero. Costumo praticar a nobre arte de exagerar com frequência. Bebo um chope e logo digo que é o mais bem tirado, o mais gelado da cidade. Degusto um prato qualquer e já o classifico como o melhor que já comi. O mais recente pôr do sol de encher os olhos é o mais lindo até que surja o próximo, talvez na semana que vem.
Fico ainda mais desconfiado de quem não aproveita as chances que a vida dá de cometer um excesso na hora de adjetivar qualquer acontecimento. Sim, porque pode se exagerar do mais absoluto nada, mas há situações em que a vida te coloca na cara do gol, e é só empurrar o descomedimento para dentro. Não dá para chutar na perna do goleiro. E sim, estou falando da final da Copa do Mundo que assistimos ontem, a da vitória nos pênaltis da Argentina contra a França. Das finais, maior de todas, a melhor que vimos, com os melhores protagonistas que poderíamos ter.
Se o leitor quiser de mim objetividade, não vai ter por agora. Não tenho plena convicção se de fato foi a maior final de todas as Copas — impossível saber a sensação daquela virada alemã em cima da Hungria, em 1954, ou a de ver o gol de Carlos Alberto Torres fechar com maestria a Copa de 1970, mas tenho firmeza que é assim que eu quero vivê-la, relatá-la, lembrá-la.
Não se desperdiça a chance de vermos o que vimos colocando poréns. Não se dá chance para o contudo, não se sai incólume de um duelo fantástico entre o mais incrível dos mais velhos com o mais encantador entre os mais jovens. Não há espaço para o pudor quando o roteiro apresentado é melhor do que o esperado, três gols e nada para um, dois e a tão sonhada taça para o outro, justo na última chance.
Se vamos ao cinema para nos emocionarmos — e quando cai um par de lágrimas, saímos falando de melhor filme do ano — , temos que saber valorizar quando uma história digna da grande tela se apresenta na realidade em forma de partida de futebol. E foi digno de Oscar. A melhor final, o melhor roteiro... e o melhor ator.
Messi é o melhor jogador de todos os tempos? Desta Copa, com certeza. Dos que eu já vi jogar, também. Mas ao compará-lo com Pelé prefiro tirar a carta do exagero coletivo em ter convicção em algo que não vivi para dizer que não. Sou a favor do exagero, e não da incoerência, o que me obriga a aceitar quem pensa o contrário e até considerar a hipótese de estarem certos.
Vale recordar que Nelson Rodrigues, o pai do exagero, foi quem pela primeira vez associou Pelé a um reinado. Em março de 1958, alguns meses antes de sua primeira Copa, escreveu uma crônica intitulada “A realeza de Pelé”.
“O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: a de se sentir rei, da cabeça aos pés”, escreveu Nelson, sobre um moleque de 17 anos sem um Mundial no currículo. Cabe lembrar também que toda verdade absoluta costuma nascer quando alguém dá luz a algum excesso. Se Messi superar o Rei, isso terá vindo ao mundo no dia que um lunático pensou pela primeira vez no improvável, no inacreditável, no impossível.
Enquanto debatemos, sigo exagerado, jogado aos pés desta final, vendo e revendo lances sem parcimônia, a descrevendo com os exageros merecidos, chamando-a de a suprema, maioral, soberana. Viver grandes momentos, como vivemos ontem, é delicioso. Relembrá-los para sempre é ainda melhor. Ainda mais quando os exageros disfarçados de irracionalidade vêm acompanhados de uma certa desconfiança de que, na verdade, tenho é a mais absoluta e coerente razão.
GLOBO