Da perspectiva do Brasil, uma final para nos matar de inveja
Martín Fernandez
A final que a Copa do Mundo nos oferece não poderia ser mais fascinante. Não falta nada a este Argentina e França, um banquete para quem se interessa por qualquer um dos incontáveis motivos pelos quais o jogo pode ser degustado. Da perspectiva do Brasil, é uma final para nos matar de inveja.
Só Lionel Messi, sozinho, já justificaria toda a atenção que a final da Copa vai atrair. O maior jogador de futebol dos últimos 50 anos vai se despedir do maior dos palcos depois de ter cumprido uma jornada extraordinária no Catar. Além dos gols que só ele consegue fazer ou os passes que só ele consegue dar, Messi ainda revelou ao mundo um comportamento vulcânico e mostrou-se um frasista à altura de Diego Maradona para responder às provocações do técnico e dos jogadores holandeses.
Messi ainda operou o milagre de fazer os argentinos desfrutarem mais da caminhada do que do destino, um fato raríssimo no futebol, em especial na América do Sul. É evidente que um título vai soterrar tudo, mas nem a pior derrota contra a França vai desfazer os sorrisos que Messi abriu na Copa. Os mesquinhos que condicionarem o lugar de Messi na História ao que acontecer neste domingo merecem ser ignorados. O legado de Messi pode ser ainda maior em caso de vitória, mas já está assegurado seja qual for o resultado da final.
O legado de Messi pode ser ainda maior em caso de vitória, mas já está assegurado seja qual for o resultado da final — Foto: Juan Mabromata / AFP
A desafiá-lo estará Kylian Mbappé, audacioso e carismático e talentoso, uma força da natureza, para quem não existem obstáculos, mas apenas marcas e recordes que precisam ser naturalmente superados no caminho para se tornar o maior jogador de futebol em atividade. Tal qual Messi, Mbappé também uniu seu país. A ponto de um torcedor fanático do Olympique de Marselha ter que intervir quando o Real Madrid chegou com um cheque em branco para tirá-lo do PSG e levá-lo para a Espanha.
“Ele me ligou e disse: eu sei que você quer ir, mas você é importante para a França e eu não quero que você vá, porque todo mundo te ama aqui”, contou Mbappé à revista Sports Illustrated no mês passado. Do outro lado da linha estava Emmanuel Macron, presidente da França. Nem por isso deixou de ser o menino educado pelos pais em Bondy, bairro de periferia de Paris, que enfrenta uma horda de jornalistas na área de entrevistas após um jogo da Copa do Mundo e depois de mil questionamentos faz questão de responder ao repórter Daniel Mundim, do GE, que lhe pergunta sobre Pelé. “Tudo de melhor para ele. Estou com ele e desejo que melhore. Estamos sentindo falta dele aqui. E eu ainda mais”.
O fato de a final da Copa ter Messi e Mbappé em lados opostos é a prova definitiva da necessidade e da relevância do futebol de seleções. No ambiente desregulamentado do futebol de clubes da Europa, basta que alguém (ou algum Estado) abra o cofre para tê-los lado a lado – como fez o Catar, via PSG. Na Copa, cada um representa um país, uma maneira de jogar. Messi sanguíneo e intempestivo como a Argentina, Mbappé cerebral e eficiente como a França. E o Brasil, cujo astro joga com os dois no PSG, no limbo, sem saber o que quer ser enquanto espera esse maldito e etéreo quinto pênalti, reservado para um futuro incerto, uma ocasião tão especial, tão decisiva, que nunca vai chegar.
GLOBO