Na Copa, a vitória acachapante da máquina sobre o homem
"Tenho certeza de que a bola saiu. Certeza absoluta. Saiu inteira. E saiu muito."
Falei isso para meu pai e para meu filho, que assistiam comigo à rodada final do Grupo E da Copa do Qatar.
O lance era o do segundo gol do Japão, quando, depois de "chutamento" de Doan, Mitoma esticou-se para tentar evitar que a bola, que atravessara a pequena área da Espanha, se perdesse pela linha de fundo.
O japonês Mitoma, que usa a camisa 9, se estica para tentar impedir a saída da bola pela linha de fundo no jogo contra a Espanha no estádio Khalifa, em Doha, na Copa no Qatar
O japonês Mitoma se estica para tentar impedir a saída da bola pela linha de fundo no jogo contra a Espanha no estádio Khalifa, em Doha, na Copa no Qatar - Peter Cziborra - 1º dez.2022/Reuters
Mitoma lançou a bola novamente para o meio da pequena área, onde estava Tanaka, que a empurrou para as redes de Unai Simón e virou o jogo para os japoneses.
Gol, assinalou o árbitro sul-africano Victor Gomes, já que o bandeirinha nada marcou (e nem teria como, dada a distância a que se encontrava).
Gol esse que determinou a classificação da seleção asiática para as oitavas de final. Sem ele, o resultado da partida teria sido 1 a 1, e a Alemanha, com o triunfo por 4 a 2 sobre a Costa Rica, ficaria em segundo lugar, deixando o Japão em terceiro, sem a vaga.
Vi e revi o lance, e em uma das câmeras tive 100% de certeza de que a bola saiu. Toda. Sem sombra de dúvida. Escandalosamente.
Erro crasso da arbitragem ao confirmar o gol, e eu pensava comigo, poupando os familiares de ficar repetindo para eles o que eu considerava óbvio: "Não é possível que não anularam o gol".
Por que o gol não foi invalidado? Porque a tecnologia assim quis. A tecnologia manda, é a dona da verdade, e a tecnologia assegura que a bola não saiu.
Ressalte-se que, segundo a regra, a bola precisa ultrapassar completamente a linha, em toda a sua circunferência, para ser considerada fora de jogo.
"As imagens em câmera lenta revelaram que Mitoma havia chutado a bola antes que ela completasse sua rotação para a lateral", disse a Fifa sobre a jogada, enaltecendo o acerto do VAR (árbitro assistente de vídeo).
O VAR em Japão x Espanha era o mexicano Fernando Guerrero. Caso tenha visto o lance da mesma câmera que eu vi, é impossível que não tenha achado que a bola saiu.
le deve ter tido acesso a alguma imagem que não chegou ao público nem aos meios de comunicação, uma imagem (e eu gostaria muito de vê-la) que mostre que, por milímetros, a redonda não ultrapassou completamente a linha de fundo.
Milímetros. Esse é o ponto. O que é certo é certo, e se a bola não saiu inteira, mesmo que por milímetros, o gol foi legal, não há o que reclamar.
Há, sim, que se conformar. Os olhos humanos não têm mais capacidade de ler acertadamente uma jogada sem a ajuda da tecnologia –os vários impedimentos marcados (ou desmarcados) na Copa pela intervenção dela são prova disso.
A máquina venceu o homem. Vitória acachapante, de goleada, 7 a 1 ou mais.
Talvez isso seja bom, mas eu fico com uma ponta de tristeza, por saber que meus olhos –e certamente não só os meus, mas o da grande maioria das pessoas– não são mais capazes como eu achei que fossem.
Aceito o veredicto, ele é final, não há o que fazer.
Mas, já que fui derrotado, que venha a público, pela Fifa, a imagem da derrota. A mesma que o VAR viu para orientar o árbitro a confirmar o gol do Japão. Meus olhos merecem.
FOLHA