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    sábado, dezembro 03, 2022

    Cidadão Ney

     Arnaldo Branco 

    Um amigo vascaíno conta que sua primeira lembrança de Copa do Mundo é com ele zoando o Zico quando o ídolo do Flamengo teve um gol mal anulado no jogo contra a Suécia em 1978. E a segunda lembrança a dor do pedala que tomou do pai, também torcedor do Vasco, para aprender que Copa do Mundo é um momento de união.

    Eram tempos mais simples, inclusive no juizado de menores. Apesar de naquela época todos os integrantes da Seleção jogarem no Brasil - e portanto em times rivais, que se enfrentavam o tempo todo em partidas onde o juiz punia homicídio com tiro livre indireto - era ponto pacífico que, vestindo a amarelinha, todo mundo era jogador do seu clube.

    É claro que o agravamento da crise política mudou um pouco o estado das coisas. Até a camisa da Seleção, antes um símbolo de congraçamento, foi confiscada por velhos de boné e loiras de farmácia que desejam a morte de outros que não consideram tão brasileiros quanto eles, embora não saibam responder questões básicas sobre História do Brasil e cultura nacional.

    Foi aí que o posicionamento dos jogadores começou a ganhar um pouco mais de peso. Até craques quase unânimes começaram a ser questionados - como quando o Ronaldo Fenômeno usou uma camiseta dizendo que a culpa não era dele porque votou no Aécio, embora o Aécio seja culpado de coisa pra caralho, como aceitar dois milhões de propina, ajudar a jogar o país no colo do fascismo e insinuar que talvez fosse uma boa ideia matar o próprio primo.

    Neymar sempre foi um jogador polêmico por ser um pouco metido, mas isso não é bem um problema - num campeonato de arrogância ele é um mero reserva nas divisões de base no grupo de acesso da categoria principal onde o Romário é titular. Um pouco de marra não faz mal a ninguém, e talvez seja uma vantagem na busca do mindset artilheiro.

    Até seus contratempos com o fisco são atenuados por conta da nossa má vontade habitual com a figura do credor. A gente perdoou a Seleção de 94, que só saiu do avião para a festa do tetra depois que a alfândega liberou as 15 toneladas de muamba que vieram junto no voo. Tá legal que se nós, reles mortais, ficarmos devendo qualquer merreca numa declaração de imposto de renda vão transformar nossa vida num inferno burocrático cheio de provações humilhantes, mas azar o nosso que não vencemos a Itália numa disputa de pênaltis.

    Só que Neymar quis dobrar a aposta quando resolveu virar cabo eleitoral de um candidato com grandes chances de derrota e enormes índices de rejeição, culpado por piorar a vida da maioria dos brasileiros, quando não por ser responsável direto por milhares de mortes. Se o gesto era um acordo com o Bolsonaro pelo perdão da sua dívida, Neymar acabou contraindo outra, essa com boa parte da torcida. E no final nem conseguiu garantir a anulação do seu débito milionário porque acabou puxando o saco do candidato errado.

    “Tem que separar futebol de política”, costuma repetir uma galera que acredita que as competições são organizadas por elfos ou surgem por geração espontânea. Ok, mas separar futebol de política foi tudo o que o Neymar não fez. Esse povo também gosta de usar a frase “não é só futebol” quando acontece algum evento extraordinário que mostra que o esporte transcende o simples desenrolar de uma partida. Mas só até a hora em que a galera decide que sim, é só futebol, torce aí e cala a boca.

    De qualquer forma, espero que Neymar se recupere da lesão. Prefiro levar o hexa com ele comemorando o gol do título fazendo arminha com a mão e formando o número 22 com os dedos dos pés do que perder e ainda por cima ouvir que foi porque torcemos o tornozelo do menino Ney com a força do pensamento.

    CONFORME SOLICITADO
    https://conformesolicitado.substack.com/

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