Bolsonaro participou do movimento golpista?
Pablo Ortellado
Já se passaram três semanas das eleições, e o movimento golpista segue vivo. Apesar de politicamente isolado e sem expectativa razoável de êxito, continua mobilizado num patamar elevado, ainda que decrescente.
Polícia Federal, polícias estaduais, Ministério Público e Supremo Tribunal Federal (STF) investigam a organização e o financiamento dos protestos antidemocráticos. O desafio é entender em que medida são espontâneos, em que medida organizados. E, se organizados, qual é a cadeia de comando. A questão de fundo é descobrir se foi formada uma organização criminosa para contestar a ordem democrática e o processo eleitoral e se (e até que ponto) o presidente ou lideranças bolsonaristas estão envolvidos.
Um dos pontos fundamentais é entender o silêncio de Bolsonaro e dos influenciadores e lideranças bolsonaristas. Foi resultado de perplexidade e desolamento pela derrota ou estratégico? O presidente e seu entorno ficaram paralisados por uma derrota não esperada ou seu silêncio foi manobra para articular o movimento golpista de forma sorrateira, fora da esfera pública, de maneira a não se fazerem notar e a fugirem das implicações políticas e jurídicas?
A favor da hipótese de um silêncio fruto da perplexidade, está o fato de o movimento golpista não ter objetivo definido. Não sabe se pede recontagem, anulação da eleição, intervenção “constitucional” das Forças Armadas ou diretamente um golpe de Estado. A ascensão entre os golpistas da exigência de uma “intervenção federal”, figura sem previsão legal e absolutamente confusa, mostra como o movimento está sem norte. A mudança de estratégia de bloqueios de estrada para os protestos nos quartéis, sem esperança de resposta, e uma “greve geral” muito improvável também sugerem baixa coordenação.
Mas alguns indícios sugerem que o silêncio de Bolsonaro e das principais lideranças bolsonaristas pode ser estratégico. Em primeiro lugar, é muito pouco provável que mais de 2 mil bloqueios de estradas tenham surgido em dois ou três dias de maneira espontânea, sem nenhum tipo de coordenação ou planejamento. Além disso, não apenas o presidente se calou, como, nos primeiros dias, as lideranças e os principais influenciadores bolsonaristas também ficaram quietos.
Se Bolsonaro tivesse apenas ficado paralisado com o resultado inesperado, seria de esperar que as lideranças se dividissem, algumas apoiando e incentivando os bloqueios, outras lamentando, mas aceitando o resultado, e um terceiro grupo apontando para soluções jurídicas, como recursos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas, nos dois primeiros dias, houve um silêncio tão generalizado que sugere orquestração.
Os relatórios enviados pelos órgãos de segurança ao ministro Alexandre de Moraes mostram que os protestos antidemocráticos foram organizados por lideranças locais, empresários, policiais e ex-policiais, fazendeiros, funcionários públicos e políticos das cidades. Em alguns estados, como no Acre, há grandes agropecuaristas financiando as manifestações, mas, em outros, o apoio material parece vir de comerciantes locais. A lista das 43 empresas e pessoas físicas cujas contas bancárias foram bloqueadas na última segunda-feira sob a acusação de financiamento aos protestos antidemocráticos se concentra muito em Mato Grosso, sobretudo em três famílias na cidade de Sorriso. A questão é se essas lideranças locais e esses empresários, grandes e pequenos, agiram independentemente, de forma espontânea, ou foram convocados por uma instância superior a agir.
O STF reuniu agora grande quantidade de informação fornecida pelas forças de segurança e por procuradores nos estados. Moraes dispõe ainda dos dados dos grupos de WhatsApp e de Telegram e das contas de mídia social identificadas como promovendo e articulando os protestos antidemocráticos. É material mais que suficiente para estabelecer, de uma vez, se os protestos dos últimos dias foram locais e relativamente espontâneos ou se foram orquestrados por uma organização criminosa envolvendo o presidente da República.
FOLHA