"Para quem ama a arte da estatuária, esse monumento nunca devia é ter sido erguido. Nem tanto por sua temática, que provocou o ataque de hoje. No início da década de 1960, quando foi construído, poucos se opunham ao mito dos bandeirantes como fundadores e heróis. Não havia clima de opinião que impedisse erguer uma estátua a Borba Gato. Havia, contudo, excelentes razões para não construir um monumento tão tosco. Numa época em que os exemplos de Victor Brecheret, Celso Antônio, Alfredo Ceschiatti e Bruno Giorgi, entre outros, ainda estavam fresquinhos na memória coletiva, aquele boneco gigantesco, duro e mal-ajambrado, é um acinte à arte escultórica. No disputadíssimo páreo de monumento mais pavoroso do Brasil – categoria na qual ele concorre com pérolas como a estátua ao laçador em Porto Alegre, a do Padre Cícero em Juazeiro do Norte e o cabeção de Getúlio Vargas no Rio de Janeiro – o Borba Gato de Santo Amaro merece fácil ser distinguido como hors concours.
Vamos deixar de lado, portanto, as lágrimas de crocodilo pela perda de uma grande obra de arte. Que nunca foi. Até porque não se perdeu. Interessante reparar que os políticos que mais enchem a boca para condenar o vandalismo a monumentos costumam ser os mesmos que cortam verbas para a preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural. Derrubar estátua, não pode. Mas pode demitir funcionários, achatar orçamentos, fechar órgãos de fiscalização e relaxar regras de tombamento, fazendo com que o patrimônio seja arruinado ou incendiado por negligência."
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