Palavras: Tropa de Elite
BOPE ao nosso redor
Não importa se o "vazamento" do Tropa de Elite foi ou não foi uma jogada de marketing. O que interessa é que o alastramento do filme pelas ruas do Brasil - e especialmente aqui do Rio - tornou-se possivelmente o mais importante acontecimento cultural dos últimos anos. Andem pelas ruas. Olhem para os lados. O "Bope" está em todos os lugares. Os camelôs colocam uma televisãozinha no meio da calçada, improvisando uma "sessão urbana". As cópias piratas circulam de mão em mão, nos escritórios, nas academias e inclusive nas redações (sim, sim, sou testemunha). Ontem mesmo, sábado à noite, me surpreendi passando em frente a uma lanchonete que exibia o filme para os seus clientes. Era como uma sessão fechada, uma pré-estréia de gala - mas, felizmente, ninguém estava vestido a rigor.
Antes do fenômeno ganhar o asfalto, começou no morro. A primeira vez que vi as cópias do vídeo foi subindo a Rocinha. As pessoas se apertavam em torno das barraquinhas, ansiosas. Convenhamos: ver a Rocinha se apropriando do tão preparado evento midiático Tropa de Elite antes dos grandes shoppings, antes dos Estações e dos Arteplexes, para fazer seu próprio "evento midiático", com suas arenas improvisadas, é sempre um fato curioso. Outra grande cena que tive o prazer de me tornar testemunha aconteceu no Morro da Providência, dentro de uma lanchonete. Eu tomava uma sopa de ervilha quando entrou um garotão segurando uma pistola numa mão e uma cópia do "Tropa" na outra. Chegou dizendo para a dona do lugar: "Quero ver esse filme!" Ao que a Dona logo respondeu: "Não é pornográfico, não, né?" E ele: "Não, não. Só tem umas cenas... sensuais". Estava ali, o garotão com uma pistola e um dvd pirata. O representado segurando a representação. Sem dúvida, queria se ver. Só que não havia mais o respeito cerimonioso ao retrato. Tropa de Elite já não era um evento imposto, limitado para alguns escassos possíveis consumidores - tornara-se simplesmente algo aberto, flexível, em plena mutação dentro do imaginário popular.
Com as cópias piratas circulando, com a capacidade do público em organizar seu próprio lançamento e distribuição (especialmente um público normalmente marginalizado do atual sistema de distribuição do cinema, um espetáculo, vamos admitir, CARO DEMAIS), o mundo, definitivamente, não é mais tlön. E, note-se que estamos falando da multiplicação de uma cópia que, dizem, não é a versão "correta". Aí está o melhor de tudo: não importa o quanto se esforcem para dizer que este não é o evento certo, que o "verdadeiro" evento está para vir, o oficial, o prestigiado ("consumam o produto cultural correto", dizem eles), porque ninguém quer saber. As pessoas fizeram seu próprio evento cultural e estão felizes com ele.
Antes que me acusem de fazer apologia à pirataria. Antes que me acusem de irresponsável e criminoso. Antes que me acusem de querer acabar com a indústria cinematográfica brasileira - vou fazer uma previsão: o Tropa de Elite será um sucesso TAMBÉM nos cinemas. É compreensível a preocupação daqueles que colocaram dinheiro, daqueles que deram tudo de si para realizar um filme. São compreensíveis as recentes reações indignadas daqueles que temem perder o esforço do seu trabalho. Mas todos podem ficar tranqüilos: tenho certeza de que quando fizerem o lançamento oficial do filme nós já sabemos aonde, com suas roupas de gala, seus coquetéis, seus repórteres, todos que podem (os poucos que tanto se orgulham disso) não vão deixar de comparecer ao maravilhoso Espetáculo Oficial. O verdadeiro e correto evento cultural "Tropa de Elite" reinará triunfante - e sempre haverá mais alguém querendo fazer parte dele.
Mas, independente do que ocorrer, há razões de sobra para todos que fizeram Tropa de Elite se orgulhar. O filme ganhou vida própria - e eu imagino que essa deva ser a maior alegria de um artista. De forma espontânea, natural, rica e vibrante, ganhou as ruas, as casas, as padarias e os bares. Até um novo nome o filme já tem, um apelido carinhoso, informal e generoso: BOPE. Sintético ao extremo,