Annariê!
Fui a duas festas juninas neste fim de semana.
Uma no sábado, outra no domingo.
Uma foi em Paquetá, no Preventório, orfanato/creche onde estudam e convivem crianças da ilha.
Depois de uma lauta feijoada
onde nas compridas mesas de um refeitório sentaram e degustaram pessoas de diferentes "classes" e tipos
vieram as danças de quadrilha, na quadra à beira-mar.
As músicas eram as tradicionais de sempre. Meninos e meninas vestidos de caipiras formavam seus pares e díspares pelas marcações seculares de rodas e caracóis e círculos e espirais, que às vezes davam certo, outras não
correndo saltando dançando
simplezinhos com os petizes que mal se mexem
e evoluindo ao passar para as turmas maiores.
Olha chuva! Olha a cobra! Noivo & noiva chegam para o casamento na roça, uma improvisação onde os textos se perdem em meio às gargalhadas.
A garotada se diverte. Nos intervalos entre as danças a quadra é tomada por crianças que pulam, saltam, correm, brincam de cair no chão ou fazem um futebol com lata de cerveja.
No domingo a festa junina foi no colégio de classe média alta no rio de janeiro onde estuda o meu neto. Na quadra cercada por telas as danças se sucederam, novamente indo dos pirralhos aos adolescentes. As músicas eram temas do folclore - jongo, maracatu, ciranda, maculelê - em gravações de cantores urbanos atuais.
Para as crianças acompanharem essas músicas haviam sido criadas coreografias complexas, de muitas marcações, que as crianças, tensas, se preocupavam em executar. Algumas desenvoltas flanavam pela quadra em rodopios mas a maioria estampava no rosto o medo de errar, diante dos pais e professores.
Uma voz ao microfone soltava ordens não só para os dançantes mas também durante os intervalos, com os pais constantemente exortados a ficarem atrás de uma linha amarela. Intervalos de quadra vazia e esperas enquanto as crianças se concentravam nas salas de aula repassando o que deveriam fazer na sua parte do espetáculo.
A voz eventualmente também agradecia às autoras das coreografias e a Fulano de Tal, responsável pelo "projeto de festa junina".
Entenderam? Não era uma festa, era um "projeto".
As danças de cada turma tinha nomes como
"Desconstrução Coreográfica da Cobra Salamanta"
(juro, era isso mesmo, e em determinados instantes a meninada deitava no chão e simulava movimentos de cobra).
Numa outra dança a música dava um breque e a voz ordenava "agora façam bagunça. Bagunça! Façam o que quiserem"! E em seguida: "Retomem suas posições".
Eu & Ana cortávamos em nossas cabeças para a festa junina em Paquetá onde as crianças faziam bagunça a dança inteira, sem serem ordenadas ou liberadas para isso, onde nas rodas alguns seguiam as marcações, outros não, e todos se divertiam.
No domingo Bia Lessa - entre outras artistas mães & pais de alunos - elogiava e incentivava as crianças e professores e coreógrados, animadíssima. O tema geral da festa - ou do projeto - era "Nuestra América" e as brincadeiras das barraquinhas eram temáticas, ensinando coisas sobre os países da América Latina. Teve uma turma dos mais velhos que dançou ao som de uma música cubana, portando boinas com estrela à la Che Guevara.
(Vi um mural em parede de sala de aula com loas a Cuba, Che e Fidel. Deve ser algum outro "projeto" junino.)
Enfim. Pensei na mini-série de televisão que havia visto na semana, "A Pedra do Reino" adaptada por Luiz Fernando Carvalho. Um projeto para ensinar as pessoas, como afirmou o diretor em entrevistas. Ensinar a ver as coisas de outra maneira.
Até coisas que são do próprio povo, como o compêndio de lendas romanceadas por Suassuna em "A Romance da Pedra do Reino e o Princípe do Sangue de Vai-e-Volta".
(Eu acho ótimo que existam livros herméticos e convolutos
onde o cérebro se exercita em sua decifração
mas NÃO é o caso deste livro.)
São os egressos desse segundo colégio junino que produzem obras como esta exibição equivocada de "A Pedra do Reino". Para estes, a visão do povo é simplória. O povão não enxerga direito. Necessita do óculos da intelectualidade.
Coreografias e marcações. E as saudações de Anarriê soam como Anauê.
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