Palavras
Bento 16 está batendo em dois grupos ao mesmo tempo. Ao enrijecer o rito da missa, cortando o contato entre os fiéis, ajustando a conduta dos sacerdotes e sugerindo a volta do latim, bate nos carismáticos. É a turma conservadora e animada de dondocas mil que segue os Marcelo Rossi, padre Zecas da vida.
Ao partir contra aborto, eutanásia e, principalmente, casamento homossexual, o papa fere em suas causas queridas os setores mais libertários da Igreja.
Mas a reforma da missa ou o a pancada em coisas como aborto ou casamento homossexual não são importantes, são detalhes. Homossexuais já lidam com a exclusão em boa parte das religiões. Já sabem que, perante sacerdotes de quase todas as crenças, são pessoas piores.
Azar o das religiões.
Quando Bento 16 bate nos que casaram pela segunda vez, é diferente. Não está batendo em libertários ou conservadores; bate no fiel comum, pacato. Aí está demonstrando um reacionarismo ímpar. O direito ao divórcio, ao fim de um casamento frustrado, a recomeçar a vida, é não só unânime no mundo ocidental como é tolerado por quase todas as religiões. Está entre as coisas básicas do viver.
É o direito de, tendo errado, levantar a cabeça, seguir em frente, buscar a felicidade. Um direito humano, inalienável.
Mas, principalmente, e isto diferencia a questão do divórcio de aborto ou casamento entre gays, é um direito já conquistado. Que não é mais polêmico. Já digerido e habitual da sociedade. É verdade que a Igreja jamais o permitiu, mas já há muitas décadas fingia não ver – o que é do jogo.
Bento 16 não quer apenas lutar contra direitos que a sociedade civil no ocidente fatalmente concederá a todos seus habitantes: caso do aborto, caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Ele quer também reverter direitos conquistados, quer voltar o tempo.
É mostra de algo que não estava claro embora já sugerido: Sua Santidade não entende o mundo em que vive. Está descolado do cotidiano das pessoas, ligado a outra época muito distante no passado.
Há quem diga que ele é o papa e que, portanto, o que ele diz sobre a Igreja é direito seu e que quem não quiser obedecê-lo que não seja católico. Pronto.
Exatamente.
Ao negar total e completamente a Revolução Sexual, Sua Santidade se põe ao lado dos movimentos mais conservadores do Islã.
Uma de duas coisas acontecerá nas Américas de Boston a Buenos Aires, na Europa de Lisboa à Polônia. Ou a Igreja ficará obsoleta. Ou o papa ficará irrelevante, uma rainha da Inglaterra, um líder que ninguém obedece.