Série sobre Raul Seixas derrapa frente à difícil missão de desvendá-lo

Mauricio Stycer
Nos 80 anos do nascimento de Raul Seixas (1945-1989), o mais original e influente roqueiro brasileiro, chega a uma plataforma de streaming uma série ficcional em oito episódios destinada a retratar a sua intensa trajetória pessoal e profissional. É um projeto ambicioso, com recursos fartos, mas com resultados confusos e, frequentemente, frustrantes.
Uma produção da O2 Filmes para o Globoplay, "Raul Seixas: Eu Sou" reproduz uma infinidade de episódios vividos pelo músico, desde a infância, na Bahia, até a morte, aos 44 anos, em São Paulo. Os 360 minutos da série resultam, porém, mais numa colagem de esquetes e cenas do que numa cinebiografia.
Quem foi Raul Seixas? Com a missão de responder a essa pergunta, a série criada e dirigida por Paulo Morelli parece acreditar que a soma das muitas partes resultará numa resposta. Pode ser. Mas fiquei com a impressão de que não há uma ideia clara sobre quem é o personagem que está sendo retratado.
A missão não é simples. Em sua vida artística, Raul deixou 312 canções registradas. Pelo menos cinco de seus LPs, quatro em parceria com Paulo Coelho e um com Claudio Roberto, são obras de referência na década de 1970: "Krig-Ha, Bandolo!" (1973), "Gita" (1974), "Novo Aeon" (1975), "Há Dez Mil Anos Atrás" (1976) e "O Dia em que a Terra Parou" (1977).
Raul foi casado de forma oficial e/ou informal com cinco mulheres e teve três filhas. Existe uma imensa mitologia a seu respeito, com muitas mentiras impressas como verdade e fatos ainda mal esclarecidos.
Há dezenas de livros e trabalhos acadêmicos sobre diferentes aspectos da produção artística e da vida de Raul. Nenhum deles é creditado na série. Morelli optou por fazer a sua própria pesquisa. Imagino que seja menos custoso do que adquirir os direitos de algum dos livros existentes. O diretor afirmou ter entrevistado mais de 20 pessoas ligadas ao artista.
Nos créditos, depois dos roteiristas (Paulo Morelli, Denis Nielsen, Marcelo Montenegro e Lívia Gaudêncio), os nomes das três filhas de Raul constam como colaboradoras da pesquisa. Sylvio Passos, criador do fã-clube de Raul, aparece como "consultor sobre Raul".
São sinais de que há algo de chapa-branca no projeto. Mas a proximidade com a família não impede a série de mostrar os tropeços do músico, seu mergulho no álcool e nas drogas, nem o seu machismo e egocentrismo. Há, porém, uma nítida dificuldade em arriscar ideias sobre o que levou Raul a descer a ladeira em alta velocidade na década de 1980.
Os momentos oníricos da produção, como o avistamento de um disco voador, o encontro com um guru esotérico e as conversas de Raul com Don Quixote, Lampião e Jesus dentro de um elevador, são constrangedores. O maluco beleza fala frases que parecem tiradas de algum almanaque: "Artista tem que ser radical. Se eu matar essa vontade que tem dentro de mim, eu morro junto com ela".
Ravel Andrade defende com coragem o protagonista, mas o texto engessado e pomposo que é obrigado a dizer afeta a credibilidade do personagem. Já João Pedro Zappa faz uma imitação de Paulo Coelho num tom que a faz resultar estranhamente cômica.
A série abraça a ideia de que eles brigaram por ciúmes de Paulo. "Eu sou responsável por pelo menos a metade desse mito Raul Seixas", afirma o letrista. Raul ri e fala: "Então pega a metade que lhe cabe e leva com você".
Em todo caso, o relacionamento da dupla é o ponto melhor desenvolvido. Acredito até que seria um bom recorte e suficiente para traçar um retrato de Raul Seixas.
FOLHA


