Onda de prisões nos EUA leva brasileiros ao desespero:
JAMIL CHADE
Aos prantos, uma brasileira residente na região de Boston pede socorro. Vivendo de forma irregular no país estrangeiro, ela teme ser deportada. Mas sua preocupação vai além: ser separada de seu filho, que não tem documentos brasileiros.
Agora, ela busca uma maneira de regularizar a situação de seu filho para garantir que, caso ela seja presa, a família não seja separada.
Numa mensagem de áudio enviada a uma entidade que tenta ajudar os imigrantes, ela revela sua tensão.
"Será que tem algum modo de fazer o documento do meu filho mais rápido? Eu estou com muito medo", disse. Relatando a presença das autoridades de imigração em seu bairro, ela conta que não foi trabalhar. "Nem saio mais de casa", disse.
"Tenho muito medo de ser deportada e meu filho ficar para trás. Ele não tem nada do Brasil. Se eu for deportada, vão querer deixar meu filho. Não vou aguentar ficar sem meu filho. Você tem como me ajudar?", implora a mulher, se afundando num choro de angústia.
Com uma onda de prisões sendo realizadas pelo governo de Donald Trump contra qualquer pessoa que esteja de forma irregular no país, a comunidade brasileira vive uma agonia sem precedentes. Quem fica em casa, temendo a polícia, logo descobre que fica sem renda. O resultado é a explosão de uma dívida ou a escassez até de alimentos.
Para outros, o risco é de despejo. "Se eu sair, posso ser preso. Se ficar, não tenho dinheiro para pagar o aluguel a partir de julho", admitiu ao UOL a brasileira Rose, que pediu para não ter seu sobrenome divulgado.
Algumas das entidades, em condição de anonimato, passaram a dar dinheiro para que essa situação de vulnerabilidade não se transforme em uma miséria ainda maior.
A Casa Branca, nesta semana, determinou que três mil prisões fossem realizadas por dia para garantir que sua promessa de promover a maior deportação da história se transforme em realidade.
Nesta segunda-feira, as autoridades americanas de imigração - conhecida como ICE - anunciaram a prisão de quase 1,5 mil estrangeiros apenas no estado de Massachusetts, numa operação que foi batizada de "Patriota".
Para as famílias brasileiras, isso significa que os pais correm o risco de serem presos e deportados, enquanto os filhos menores - muitos dos quais nasceram nos EUA - seriam deixados com guardiões.
Mas um dos obstáculos tem sido a falta de documentação entre esses imigrantes. Por anos, famílias que vivem nos EUA não viram a necessidade de registrar seus filhos nos consulados brasileiros ou fazer certidões de nascimento do país.
Na tentativa de conseguir manter as famílias juntas e evitar a separação, pais e mães agora têm corrido para tentar regularizar a situação de seus filhos, um serviço que o estado brasileiro é obrigado a atender.
O resultado foi uma explosão da demanda para escritórios mantidos pelo Itamaraty. Alguns dos documentos passaram a exigir mais de quatro meses para que sejam emitidos, deixando famílias desesperadas e temendo uma separação.
Itamaraty prepara resposta
O UOL apurou que, diante da situação que afeta milhares de brasileiros, o ministro Mauro Vieira ordenou nesta semana que os postos do Brasil pelos EUA façam um levantamento detalhado da situação das filas para a regularização das crianças. Com os dados em mãos, medidas serão desenhadas.
Num primeiro momento, o governo vai ordenar que os recursos dos consulados sejam realocados para garantir que a situação desses brasileiros que aguardam na fila seja resolvida.
Uma outra medida será a criação de uma espécie de força tarefa, em Brasília, para transferir para a chancelaria alguns dos trabalhos que eram realizados nos postos nos EUA. O reforço do apoio da capital é considerado como crítico e já foi usado quando uma crise humanitária abalou a comunidade brasileira no Líbano.
A busca pela ajuda oficial não se limita a documentos. Um outro caso revelou a dimensão da crise vivida pela comunidade. Um brasileiro foi detido, também na região de Boston, e levado para um local desconhecido. Com sérios problemas de saúde, ele precisava realizar diálise de forma regular.
Ao descobrir que o brasileiro havia sido preso, sua família acionou o consulado que, em contato com as autoridades americanas, conseguiu identificar onde ele estava detido. A ação resultou em sua liberação temporária para que ele pudesse realizar seu tratamento.
Crianças algemadas
As associações que lidam com imigrantes ainda informaram ao UOL a existência de relatos de crianças que estão sendo algemadas na sede do ICE em Burlington, Massachusetts.
Na região da Nova Inglaterra, no nordeste americano, as prisões de brasileiros deram um salto de 400% desde janeiro, quando Trump assumiu.
No último fim de semana, a prisão de um estudante brasileiro indo para o treino de vôlei causou ainda uma comoção em sua comunidade e reação de alguns dos principais nomes do partido democrata.
Marcelo Gomes foi detido pelas autoridades migratórias dos EUA neste sábado, um dia antes de sua formatura no Milford High School, de Massachusetts. O caso passou a ser um reflexo do mal-estar na comunidade de imigrantes, principalmente na região com forte presença de brasileiros nos EUA.
A prisão levou a governadora de Massachusetts, Maura Healey, a ampliar as críticas contra Trump. "Estou exigindo que o ICE forneça informações imediatas sobre por que ele foi preso, onde ele está e como seu devido processo está sendo protegido. Meu coração está com a comunidade de Milford no que deveria ser um dia comemorativo de formatura. A administração Trump continua a criar medo em nossas comunidades, e isso está nos deixando menos seguros", completou.
Para o governo federal, porém, a ordem é a de não permitir que comunidades ou autoridades locais criem obstáculos para a onda de prisões. "Basta", disse a procuradora federal Lee Foley. "Não vamos tolerar quem impedir o trabalho do ICE. É crime ameaçar um agente. Isso não é negociável" alertou.
UOL


