O USO DE I A
O Clube da Literatura Clássica lançou, há algum tempo, uma edição de "Frankenstein", de Mary Shelley, que foi desclassificada da seleção do Prêmio Jabuti por ter ilustrações e capa feitas por inteligência artificial. A Editora Novo Século também publicou uma versão de "Alice no País das Maravilhas" com ilustrações geradas por IA, que foram identificadas por internautas e geraram um debate sobre essa questão. A editora DarkSide já foi questionada, se não me engano, sobre o uso de IA em um "Necronomicon".
Atualmente, há uma briga judicial entre a Nippon Television (NTV), proprietária do Estúdio Ghibli, e o ChatGPT, relacionada ao uso ilegal do estilo da empresa desde 2023. Algumas pessoas acreditam que o ChatGPT está fazendo uma retaliação ou provocação em relação a esse processo ou às declarações que Miyazaki fez em 2016.
Grandes empresas de quadrinhos do Reino Unido, como DC Thomson, Rebellion Entertainment, The Phoenix Comic, Avery Hill Publishing e Fable, se uniram para formar a Comic Book UK, uma associação com o objetivo de combater o uso de histórias em quadrinhos para treinar inteligência artificial. Nomes famosos como Elton John, Kate Bush e Andrew Lloyd Webber se manifestaram a favor de uma proteção mais rigorosa dos direitos autorais. O anúncio do uso de IA no desenvolvimento de uma série pela Netflix quase levou a uma greve de roteiristas.
E há muitos outros casos. O que quero dizer com tudo isso é que legisladores, juristas e outras pessoas e instituições responsáveis pelas regulamentações só perceberão o que está acontecendo e o que precisa ser feito se forem alertados por nós, a sociedade.
Não estou mencionando, apenas para não me alongar, o imenso problema energético (e, consequentemente, ambiental e climático) que também está envolvido e que, por si só, já deveria levantar sérios debates sobre o uso da internet, celulares, IA, etc. Se você pensa que tudo isso não tem consequências ou custos, você está mortalmente enganado. E "mortalmente" aqui não é um de minhas hipérboles estratosféricas habituais.
Um estudo dos anos 70 afirmava que um americano médio era, literalmente, venenoso. A quantidade de DDT em seu tecido adiposo o tornava mortal para algum canibal desavisado. No entanto, desde os anos 70, alguns países começaram a proibir seu uso, apesar do grande incentivo que era seu preço baixo, exatamente por causa dos estudos e da divulgação dos resultados.
No Brasil, por motivos que não preciso repetir, a proibição da fabricação, armazenamento e uso só veio em 2009. Mas veio. Podemos citar também os casos do cigarro, da poluição atmosférica e outros como casos onde a sociedade teve algum poder e influência em situações graves, se procurar as melhores formas de entender e agir. Existem críticas à ineficácia dessas ações "dentro das quatro linhas". Não discordo delas, mas sou velho demais para me tornar uma Testemunha de Jeová ou adotar alguma outra crença apocalíptica, seja ela religiosa ou ideológica.
E não acredito na Inquisição: apontar dedos e fazer acusações contra alguns ou discutir a beleza do processo criativo - com pessoas que veem nisso um exibicionismo elitista de minhas habilidades que só alimenta mais ressentimento contra mim - me parece mais um jeito de atrair mais antipatia contra essa questão.
E quando começam a falar sobre uma "democratização digital da arte" por meio do "fim do privilégio da habilidade", que seria sustentado por uma falsa meritocracia que camufla um capacitismo que discrimina os "sem-dom", é hora de eu me recolher às sombras da minha bem-aventurada insignificância: eu não bebo mais o suficiente para conseguir processar tudo isso.
A imagem sou eu no estilo do estúdio Takaghi, que vocês provavelmente não conhecem. Desde os anos 80 especializados no uso de Irresponsabilidade Alcoólica.
Obrigado a Júlio N. S. Filho, Rafael Senra e Renato Lima por algumas informações. Obrigado a Ricardo Key Takaghi por um universo.