MILEI - Já está
RICARDO QUEIROZ
"Javier Milei não é uma anomalia cabeluda. É o experimento-padrão em sua forma mais explícita e pronta para tarefas. Um arrasa quarteirão portenho.
Não foi a extrema-direita que o inventou. Foi o mercado, cansado da democracia pós 1945 e sedento por velocidade. Quando a institucionalidade e as contradições começam a frear o lucro, sempre aparece alguém disposto a pular etapas, rasgar a fantasia, desde que bem alinhado com a planilha.
Milei é isso: um operador da impaciência das elites. Um sujeito que leu Hayek como quem lê horóscopo e encontrou ali não um campo de debate, mas um destino. A liberdade virou fetiche. O Estado, inimigo. O povo, custo. O orçamento, uma heresia, os programas sociais fábricas de vagabundos.
Sua motosserra é menos metáfora do que método. Não reforma. Amputa. Não pergunta. Impõe. Não governa. Executa no sentido mais literal. O discurso antissistema é só maquiagem grosseira pra um projeto que nunca saiu do lugar: desregulamentar e privatizar tudo, inclusive o futuro.
E o que impressiona não é a truculência, mas a quantidade de aplausos recebido. O fervor com que setores da economia tratam esse desmonte como solução. A fome não é problema, é variável. A destruição da educação pública, da pesquisa, da cultura é meta estipulada. A dignidade virou linha de corte.
Do lado de cá da fronteira, há quem esteja de prontidão. Não querem um lunático, querem um gerente com instinto de predador. Um tecnocrata rude, com verniz de gestor. Que fale de "responsabilidade fiscal" enquanto desmonta as bases da vida coletiva. Que cite teoria econômica como se fosse bula de veneno e aplique com orgulho.
Não querem loucura, querem austericídio sem freios. Um Milei em versão tropical, higienizada, falante de português de MBA.
O risco não é que ele surja. É que, quando surgir, a sociedade já está condicionada a achar normal que só nos reste o silêncio entre uma demissão, um corte de verba e um direito enterrado. Será que já está?"