Marçal é filho de uma revolução cultural e social que vai longe
Pablo Marçal (PRTB) teve até aqui considerável, mas relativo, sucesso de público. Tem 24% dos votos, até 38% em um segundo turno e é rejeitado por 53%. Se não vier a ser inelegível por causa de crimes, apenas começou a carreira política? De onde veio, chegarão outros?
Talvez o tipo puro de marçalismo não prevaleça, mas a mentalidade que representa pode ter um terço do eleitorado, o que tende a orientar os novos investimentos do negócio político-partidário estabelecido.
Há grande revolução social e cultural, acelerada em torno de 2010, em parte por mídias sociais, renda maior e alterações no mundo do trabalho. A mudança agora é conhecida, mas pouco compreendida a fundo. Vamos sabendo dela em episódios traumáticos ou caricatos. Marçal é a mais recente cristalização política ou social desse mundo novo.
Houve Junho de 2013, contra o sistema político, o Estado e elites tradicionais. Houve Jair Bolsonaro, insider da escória política bizarra que passou por harmonização digital em um projeto de direita nova gestado desde o imediato pós-2013.
Houve a ascensão dos influencers. Há o mundo de Deolane Bezerra, presa por ser suspeita de ligação com esquema de lavagem de dinheiro de "bets". A influencer tinha 20,7 milhões de seguidores no Instagram ao ser detida; solta, foi a 22,2 milhões. Há a epidemia de jogo online.
Estudos indicam a disseminação do messianismo individualista e niilista quanto a política e movimentos sociais. Mídias sociais diminuíram custos de difundir informação e barreiras à entrada em mercados, entre eles o de mídia e de acumulação de status monetizável. É o futuro em que todos teriam 15 minutos de fama.
Marçal não é Bolsonaro, vai mais fundo: não foi adotado pelo mundo político, nem pelo centrão mais podre; espezinha políticos. É um garoto-propaganda das mentalidades da teologia da prosperidade ou da prosperidade teológica, temperado pelo que se chama dos valores da direita, que ele dissemina por meio de doutrinação, choque midiático e células familiares militantes.
A precarização do trabalho e a descrença na capacidade do Estado de melhorar vidas (quando não atrapalha) aumentam o apelo desse messianismo individualista, se diz. Pode ser, mas sabemos pouco de detalhes do mundo do trabalho.
Pelos grandes números, a formalização do trabalho está pouco abaixo do recorde do começo da década de 2010, assim como a parcela ocupada da população em idade de trabalhar; o salário médio passou do pico de 2013. A vida melhora um tico. Não parece social ou politicamente relevante.
Há precarização no trabalho, mas não sabemos de seu tamanho e o que é apenas nova forma de precarização. Certo é que o emprego desta economia meio pobre não dará vida satisfatória à massa ou acesso à vida instagramável. A grande mudança seria o vislumbre dessa existência fotogênica conspícua e exemplos raríssimos, mas inspiradores, de que há atalhos para se chegar lá, driblando desigualdades, emprego ruim e escola inútil.
A mudança religiosa tem peso, mas menos de um quarto dos eleitores
paulistanos é evangélico e só um terço deles vota em Marçal (aliás, 15%
não têm religião). Ideias de certos evangélicos é que parecem fazer
parte de mudança cultural maior, revolução ainda pouco compreendida e
que estoura outra vez na nossa fuça, na forma sórdida de um Marçal.
FOLHA