O assassinato de Pedro Henrique
Tati Bernardi
Desde que tomei conhecimento da morte do jovem Pedro Henrique Oliveira dos Santos, bolsista do Colégio Bandeirantes, penso que o certo seria substituirmos a palavra "suicídio" por "assassinato".
Terminei de ler a reportagem da revista piauí, escrita e apurada por João Batista Jr., com taquicardia e ânsia de vômito. E, sinceramente, dane-se o que eu estava sentindo. O que importa é o que a mãe de Pedro Henrique está sentindo. O que todas as mães de jovens pretos sentem pela manhã, assim que seus filhos saem de casa. O que todas as mães de jovens gays sentem pela manhã, assim que seus filhos saem de casa.
Passei o resto da tarde repetindo "podre". PODRE. É tudo muito podre em nossa sociedade. É podre o celular do garoto ter desaparecido antes de a família ter tido acesso ao aparelho, uma prova inconteste da soberania de brancos diante de uma família preta periférica –e um espelho supremacista do que foi feito com Pedro em ambiente escolar.
É podre a escola ter colocado em seu site uma foto sorridente de um jovem de 14 anos que estava, manifestamente, sofrendo violência. Um adolescente sendo exposto como uma mercadoria que confere status de "somos inclusivos!".
É podre que em breve ninguém mais vai falar desse assunto, tendo em vista que Pedro não era filho de ninguém famoso ou com dinheiro. Por isso, faço um convite a todos os atores, comunicadores e influenciadores conhecidos: escrevam sobre o assassinato de Pedro Henrique Oliveira dos Santos.
Não é mais aceitável que a maioria preta do país se veja representada, em escolas de elite, por uma única criança negra em sala de aula. Os colégios não querem diminuir a receita, e os pais não querem pagar além do que já pagam. Mas todos precisam posar de white savior e, para tal, basta uma única criança preta por sala para dormirmos em paz. O sistema de cotas, para tantos corações católicos, é a cota de brancos no céu.
Todos nós, brancos, somos racistas. Esse é o primeiro passo para entender a podridão que nos une e o assassinato de Pedro Henrique Oliveira dos Santos. Estamos todos com as mãos sujas de sangue. E, imundos, precisamos educar nossos filhos a não serem racistas. Tal malabarismo fica ainda mais complexo quando, ao chegar a uma sala de aula, a criança branca enxerga somente uma única criança preta lá dentro. E então vem a história dessa criança preta: mora em um lugar "diferente", tem uma vida "diferente" e, "diferente" dos outros alunos, não pode pagar a mensalidade. Quantas vezes usamos a palavra "diferente" para ensinar a nossos filhos que somos todos iguais?
Quando minha filha tinha três anos ela me perguntou por que as pessoas pretas, em sua maioria, eram mais pobres. Já era a hora de explicar sobre escravidão? Como contar para uma criança dessa idade que nossos antepassados foram capazes de algo tão terrível? Como fugir dos verbos "inferiorizar", "prender" e "matar"? Pior: como contar que seguimos reproduzindo-os –em nossa falsa generosidade progressista–, pois vivemos ocupados, alienados e sem o real desejo de alterar completamente nossos confortos e privilégios?
Se quero que minha filha estude em uma escola com mais alunos pretos (e que a partir desse convívio possa crescer menos racista), eu deveria colocá-la em uma escola pública, certo? E tirar da minha filha possíveis oportunidades no futuro? Como fechar essa conta?
A única certeza que tenho é que não deveria existir um canhão de luz sobre uma criança dentro de uma sala de aula. Representatividade não é apenas dar a uma criança preta acesso à escola, mas dar a uma criança preta acesso a uma escola que a represente. Se uma criança sente que precisa ser melhor que as outras para estar no meio delas ou que precisa ser sobre-humana para merecer simplesmente existir, estamos todos doentes.
Ser observado por holofotes cruéis já bastaria para causar em Pedro Henrique uma dor excruciante, mas isso não foi nem a metade.
FOLHA
ILUSTRAÇÃO MEIRELE NASCIMENTO