Fragmentos de textos e imagens catadas nesta tela, capturadas desta web, varridas de jornais, revistas, livros, sons, filtradas pelos olhos e ouvidos e escorrendo pelos dedos para serem derramadas sobre as teclas... e viverem eterna e instanta neamente num logradouro digital.
Desagua douro de pensa mentos.
quinta-feira, setembro 05, 2024
Não se cala Marçal
Pedro Doria
Pablo Marçal nos deu uma aula, neste fim de semana, pela qual deveríamos
ser gratos. A Justiça Eleitoral de São Paulo concedeu uma liminar
pedindo a suspensão temporária de seus perfis no Instagram, no X, no TikTok, no YouTube,
no Discord, além de seu site oficial. O candidato à Prefeitura
paulistana entrou, imediatamente, em modo de ação. Criou novos perfis em
todas as redes, que já acumulavam milhões de seguidores no domingo.
Esses novos perfis estão livres para uso. Não bastasse isso, seus
seguidores criaram perfis próprios, em nome do candidato, para
distribuir seu conteúdo.
Mas esse movimento de Marçal estava autorizado pelas decisões do
tribunal. Ele foi denunciado por pagar para que acompanhem suas lives,
as entrevistas que faz, os debates de que participa e para que produzam
cortes, vídeos curtos, às vezes com truques de edição, outras não, que
tenham a capacidade de viralizar. Esses vídeos não precisam ser
publicados nos perfis de Marçal. Em geral, nem são. Mas é um concurso:
alguns são selecionados para o perfil oficial, e os escolhidos são
premiados com um pagamento. Os outros, não. Na avaliação do TRE houve, nessa ação, abuso de poder econômico, e isso a lei não permite.
A Justiça decidiu, portanto, que os perfis oficiais não podem ser
usados durante a campanha por terem acumulado seguidores ao se
beneficiar disso. A decisão parece partir do princípio de que o ganho do
candidato foi em seguidores e de que, ao impedi-lo de usar aqueles
perfis, o problema foi neutralizado. Mas ele não foi banido, tampouco
proibido de se manifestar pelas redes. Foi autorizado a criar novos
perfis — e os criou.
odos
os que assistiram aos muitos vídeos que Marçal divulgou ao longo do fim
de semana tiveram, porém, outra impressão. Acreditam que ele foi
censurado. Perseguido pelo sistema. Não bastasse isso, a premissa em que
o tribunal se baseou é falha. O que faz um vídeo viralizar não está
necessariamente relacionado a ter origem num perfil com muitos
seguidores. Em algumas redes, como o TikTok, a relação é até bastante
baixa. O ponto é o seguinte: o TRE-SP identificou o que considerou abuso
na prática de motivar seguidores a participar de um concurso de cortes
com promessa de pagamento. A sanção imposta compensa o desvio?
Há muito estudo sobre o que os americanos chamam de deplatforming: tirar a plataforma digital de atores políticos, tirar os perfis de certas redes. Os perfis do ex-presidente Donald Trump no Facebook,
no Instagram e no então Twitter foram suspensos em janeiro de 2020,
logo após a invasão do Capitólio. Ele ainda estava na Casa Branca, e a
decisão partiu das próprias empresas. Trump ficou mais de três anos sem
os perfis da Meta, o do X foi devolvido pouco depois de Elon Musk
comprar a companhia. Não importa. Ele nem voltou ao X, embora possa
voltar quando quiser. Não importa porque todas as redes continuam com
uma imensa quantidade de conteúdo trumpista, e ele segue com altíssimas
chances de chegar à Casa Branca novamente. Não fez diferença. Será uma
eleição difícil para ambos os candidatos, mas não ter perfis oficiais
parece ter tido efeito irrelevante na capacidade de Trump se comunicar
pelas mídias sociais.
Os estudos apontam para resultados que não são óbvios. Sim, tirar das
redes os responsáveis por desinformação diminui o problema. Mas tirar
políticos com o perfil de Marçal, Jair Bolsonaro
ou Trump das grandes redes tem efeitos mais ambíguos. O resultado, em
geral, é animar mais seus seguidores. Provocar migração para outros
perfis ou atiçar o crescimento de comunidades em ambientes digitais mais
difíceis de controlar, onde a desinformação é pior. Há indícios de que
aumenta a radicalização do movimento, aglutina mais o grupo. Consolida
mais opiniões.
Essa é a história que a extrema direita conta no mundo. Já tratamos
disso aqui. É uma história de perseguição: “Nós representamos o povo e
combatemos uma máquina que impede o país de dar certo”. Uma máquina que
opera nas entranhas do Estado, representando interesses obscuros, e
bloqueia a ascensão do povo. Bolsonaro conta essa história, Nikolas Ferreira,
Trump. Todos. Quando a Justiça tira os perfis do ar, confirma para os
eleitores e para os que simpatizam com os candidatos do autoritarismo
que essa máquina existe e de fato os persegue.
Pode parecer contraintuitivo, mas a decisão do TRE-SP poderá servir de propaganda para Marçal.