Uma crise fabricada
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O que provocou a turbulência no mercado financeiro e na mídia no último mês? Houve motivos para tal nervosismo?
Creio que sim. Não foram, porém, propriamente econômicos, e sim políticos. Os resultados econômicos e sociais do governo Lula estão entre bons e razoáveis. Veja-se, por exemplo, o crescimento do PIB, a inflação, o mercado de trabalho, os indicadores de pobreza e o balanço de pagamentos. Quanto ao propalado “risco fiscal”, as informações disponíveis não sugerem de forma alguma que o Brasil tenha ficado à beira de um colapso das contas governamentais. As expectativas de mercado em relação ao déficit público (primário e total), assim como em relação aos demais indicadores macroeconômicos, praticamente não se mexeram no passado recente.
Menciono dois fatores de ordem primordialmente política que ajudam a entender a instabilidade no mercado financeiro. E que nos autorizam a dizer, acredito, que a “crise” foi em larga medida fabricada.
Primeiro fator: nos últimos meses, ficou evidente que Lula pretende disputar e será um candidato forte à reeleição em 2026. A tradicional direita neoliberal, que tem muito dinheiro e controla o sistema financeiro e a mídia, não vê isso com bons olhos, para dizer o mínimo. Gostaria de viabilizar uma candidatura de “terceira via” para 2026, mas percebe que, provavelmente, será muito difícil. Uma opção mais viável para ela seria construir uma “Arca de Noé” pela direita, com Tarcísio de Freitas como candidato. A ideia é combinar os votos de Bolsonaro com um candidato mais amplo e de aparência um pouco mais “civilizada”. Os seus porta-vozes mais chinfrins já clamam em público por um “bolsonarismo moderado”.
O que se procura, desde logo, é enfraquecer e manietar Lula para que ele chegue desidratado à próxima eleição presidencial – de preferência com cara de terceira via. Um Lula fraco, com jeito de terceira via, poderá ser derrotado. Ou, no mínimo, forçado a negociar com a direita tradicional, ou parte dela, nova frente ampla que mantenha um eventual Lula 4 sob controle.
Mas há um segundo fator por trás da “crise”. E mais imediato do que 2026. Trata-se da escolha, por Lula, de quem exercerá a presidência do Banco Central. Até o fim do ano, o presidente da República terá de escolher não só o presidente, como também dois diretores para o Banco Central. Os indicados de Lula no Comitê de Política Monetária terão maioria folgada a partir de janeiro de 2025.
Consequência? A turma da bufunfa ficou na espreita e, no momento adequado, tratou de providenciar uma turbulência econômica, com a ajuda prestimosa de Roberto Campos Neto, para tentar intimidar o presidente da República e o ministro da Fazenda. A mídia corporativa, um puxadinho da Faria Lima, entrou em campo com alertas dramáticos. Arminio Fraga, um funcionário do status quo, veio a público ameaçar o presidente da República com um “fiasco político” e uma grave crise, caso erre na escolha do novo presidente do BC. Edmar Bacha, outro funcionário do status quo, disse textualmente: “Lula tem que se comportar”. Veja só, leitor ou leitora, a imensa arrogância dessa gente (estava para escrever “corja”, mas me contive).
Querem mesmo é que Lula indique um deles para o cargo, algum nome do longo rol de fiéis serviçais do capital financeiro. Não sendo isso possível, aceitam que seja indicado alguém cooptável.
Neste momento, já há quatro indicados por Lula na diretoria do Banco Central. Andam bem mansos, no geral. Nada dizem, nada fazem – até onde se pode perceber. Acredito que estejam envolvidos em um cauteloso movimento tático, esperando o não tão distante janeiro de 2025.
Espero que seja mesmo apenas tático. De janeiro em diante, o jogo tem de mudar. Evidentemente, ninguém vai dar um cavalo de pau numa instituição da complexidade do Banco Central. Mas não pode ser mais do mesmo. O Banco Central tem funções da maior importância. Não deve ser conduzido de forma independente do resto do governo e da política econômica.
É importante, portanto, acertar na escolha do presidente e dos dois outros novos diretores. O futuro presidente do Banco Central deve ser alguém com conhecimento, experiência e muito próximo do presidente da República. Assim, ficará mais viável estabelecer a indispensável sintonia entre a política monetária e o resto da política econômica. •
CARTA CAPITAL