‘Ripley’, o gato como testemunha e como fui injusto com a série da Netflix
SERGIO AUGUSTO
M inha reação inicial foi, equivocadamente, de rejeição. Apesar de não ter paciência para acompanhar seriados, tomei coragem, mas não aguentei ir além do terceiro episódio de Ripley. Todo mundo a babar de admiração pelo hit da Netflix, e eu precocemente desencorajado por seus longueurs e por seu quase narcisístico tratamento visual.
Estes só não quebraram a cara porque, no lugar de Mongibello, invenção de Highsmith, ao menos encontraram Ischia Ponte, no golfo de Nápoles, a encantadora locação tão bem explorada pela câmera de Henri Decae.
Decae brilha igualmente em cenas de interior, como a do assassinato de Freddy (Bill Kearns), arrematada por uma tomada de legumes de feira espalhados pelo chão, ao lado do cadáver, que me evocou uma natureza-morta – no caso, duas.
O permanente contraste entre a solaridade das imagens e a tenebrosa trama de Plein Soleil é um dos pontos altos do filme, contraposição desprezada por Anthony Minghella em O Talentoso Ripley, um tanto sombrio e esmaecido pela empatia meia-bomba do elenco.
Fui precipitadamente injusto com a minissérie da Netflix, que maratonei até o último minuto, impressionado com a ambição da proposta, a densidade do roteiro, a mise-en-scène maneirista de Zaillian e com o chiaroscuro de Robert Elswit, que já me havia conquistado com o estilo Life-Look que imprimiu às imagens de Boa Noite e Boa Sorte, e agora me impressiona com sua inventiva releitura do tenebrismo de Caravaggio, a influência maior de Ripley, junto, é óbvio, com Hitchcock, de cuja sombra o personagem não consegue desgrudar. Foi com a grana que ganhou pela história de Pacto Sinistro que Highsmith visitou Positano pela primeira vez, onde conheceu o protótipo de seu mítico escroque.
A quem já viu a minissérie não preciso explicar por que lhe daria, aqui, se pudesse, o título de O Gato por Testemunha.
ESTADÃO