A crise política da coalizão de Netanyahu,
de JOAO KOATZ MIRAGAYA
Eu comentei ontem que faria um fio sobre a crise política da coalizão de Netanyahu, que envolve os ultraortodoxos, o partido Campo Republicano e até o exército. Hoje teve novidade, um ultimato que coloca Netanyahu contra a parede. Segue o 🧵.
Comecemos com a crise com os partidos judaicos ultraortodoxos. Em resumo: eles não querem que seus jovens sirvam o exército, mas a Suprema Corte obrigou o governo a inseri-los, caso contrário obriga a suspensão do orçamento público às academias rabínicas.
O governo apelou, e a coalizão foi condicionada a escrever uma lei que respeite os parâmetros constitucionais sobre o caso, mas há muita discórdia entre os ultraortodoxos e os ex-militares do governo. Netanyahu tenta ganhar tempo até o dia 02/06, prazo dado pela Justiça.
Essa semana aconteceu algo inédito em Israel: uma crise entre os militares e o governo. As FDI jamais chegaram perto de confrontar qualquer governo, mas a situação atual é absurda. O porta-voz das FDI cobrou o governo pela ausência de um objetivo político pra guerra.
Pra que o porta-voz das FDI diga isso em público, é porque ele tem o respaldo do chefe do exército, Hartzi HaLevi. E ambos certamente coordenaram a mensagem com o ministro da Defesa, Yoav Gallant, ex-general, que logo depois fez um pronunciamento duro cobrando Netanyahu.
Gallant disse que, da forma como as coisas acontecem, as FDI acabariam por ser responsáveis pelo controle civil e militar de Gaza, e disse que não permitiria que isso acontecesse. E convocava Netanyahu a dizer isso publicamente, e apresentar um plano pra Gaza.
Netanyahu se apressou em responder. Disse que não faz sentido um plano pra Gaza enquanto o Hamas não for aniquilado. Mas a pressão foi grande, e minutos depois ele gravou um vídeo enfatizando que não trocará o "Hamastão" pelo "Fatahstão".
O gabinete de segurança se reuniu, e Gallant foi atacado pela extrema-direita e pelos puxa-sacos de Bibi. Ele chegou a se retirar da reunião, mas voltou. Jogaram na sua cara que o gabinete não concorda com um plano pra Gaza. Ele perguntou qual a alternativa. Silêncio.
E hoje, às 20h30, Benny Gantz convocou uma coletiva de imprensa. Não havia indícios de que ele deixaria a coalizão, então concluiu-se que ele daria um ultimato a Netanyahu. E foi exatamente o que aconteceu. Gantz fez exigências para um plano em 6 tópicos até o dia 08/06.
O que o plano deve conter?
1. O retorno dos reféns de Gaza.
2. A derrubada do Hamas do governo e a desmilitarização de Gaza.
3. A formação de uma força internacional para o controle civil de Gaza até que haja uma opção viável local.
4. Retorno dos desabrigados do norte às suas casas até o dia 01/09 e reconstrução da região próxima à fronteira com Gaza.
5. Normalização das relações com a Arábia Saudita a fim de fortalecer a coalizão contra o Irã.
6. Um plano para a lei de alistamento.
Durante o seu pronunciamento, Gantz disse que o governo era controlado por uma minoria irresponsável, que forçava a tomada de decisões por questões políticas e não para um bem comum. Atacou Netanyahu, por não ter assumido até agora responsabilidade sobre o 07/10.
Mas Gantz também fez coro com Netanyahu, dizendo que a opção para Gaza não é nem o Hamas, nem Abbas (presidente da Autoridade Palestina). E disse que não permitirá que ninguém, amigo ou inimigo, imponha a criação do Estado palestino a Israel.
O fato relevante aqui é que Gantz e Gallant, na condição de ex-generais, se sentiram na obrigação de defender o exército, que se queixa de fazer trabalho duplo devido a total ausência de um plano pra Gaza. Eles voltam a lugares onde já haviam terminado operações.
Porque, na ausência de um projeto, o Hamas ocupa o espaço de onde foram expulsos. Não existe vácuo, e o Hamas segue sendo a força mais poderosa de Gaza. Não há como ganhar uma guerra sem um plano. Eu escrevi sobre isso aqui, convido a ler.
A guerra que Israel perdeu
Por que Israel já perdeu a guerra atual contra o Hamas?
https://www.ladoesquerdo.com/post/a-guerra-que-israel-perdeu
Mas Netanyahu não quer um plano, justamente porque não pode correr o risco de desagradar a sua base. Por outro lado, não pode demitir Gallant, o ministro com maior aprovação do seu governo. Ele foi pressionado, mas não deve ceder. E Gantz deverá sair.
O governo sobreviverá sem Gantz, a princípio. Por quanto tempo? Não sei. Nós explicamos bem essa situação no nosso podcast, que saiu ontem. Já conferiu?
https://open.spotify.com/episode/58P8rqsr3PxJmPVrVCKgJA?si=AODPgfbaSUawxIi3wtxVDw
Atualização: Netanyahu disse que as palavras de Gantz significam o fim da guerra e a derrota de Israel, a morte da maioria dos reféns, a permanência do Hamas em seu lugar e a criação de um Estado palestino. Em suma, ignorou o ultimato e deturpou a fala de Gantz. E tem mais.
Gantz respondeu dizendo que, se Netanyahu o escutasse, Israel teria entrado em Rafah há meses e terminado a guerra.
Houve muito mais provocação e respostas, mas vai ficar pro podcast de semana que vem.
E os protestos hoje em Tel Aviv estão bem grandes.