Aliança entre Musk e crime organizado fracassa
Elon Musk não pode tudo. A manutenção da prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) pelo plenário da Câmara dos Deputados demonstrou que há limites para que uma tese intragável, como a soltura de um dos acusados de ter mandado matar Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes ganhe adeptos nas redes.
Os aliados do crime organizado na Câmara não conseguiram pautar a tese de que era o poder ilimitado do ministro Alexandre de Moraes que estava em jogo e não o mérito de uma acusação feita, a duras penas, depois de seis anos de investigações. Marielle permaneceu como um dos assuntos mais buscados ao longo do dia, mas não pela tese pautada pela rede de influenciadores bolsonaristas, entre os quais o filho 03 do ex-presidente.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) não estava no Brasil mas gravou um vídeo pedindo a soltura de Brazão. Sua postagem foi uma das mais compartilhadas da comunidade bolsonarista. Seu partido fechou questão, mas perdeu a batalha.
Não foi a estratégia governista que saiu vitoriosa, mas a tese miliciana que não ganhou guarida na opinião pública. A prisão dos três acusados do assassinato é um dos maiores sucessos deste governo no combate ao crime organizado, ao lado da captura dos fugitivos do presídio de Mossoró (RN), mas isso não foi suficiente para pautar uma estratégia eficiente para defendê-la.
Os governistas começaram a sessão na CCJ com o resultado aberto e temendo a derrota. Os aliados de Brazão adiaram a votação na tentativa de se esfriar o tema. Quando Musk pousou no Brasil abriu-se um clarão. Aliado aos golpistas na Bolívia e aos fascistas na Alemanha, o dono do X pinçou seus parceiros no Brasil entre os sócios do crime organizado na Câmara.
A aliança com os novos donos da voz ficou clara quando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), jogou no lixo o trabalho de quatro anos do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) no projeto que regulamenta as redes sociais depois que o dono do X abriu fogo contra Moraes.
A aliança do crime organizado com Musk prosseguiu na Comissão de Segurança Pública da Câmara que, numa sessão com presença maciça de parlamentares da bancada da bala e a resistência quase solitária do deputado Glauber Braga (Psol-RJ), foi aprovada uma “moção de louvor” a Musk.
Musk e Brazão engrossaram o caldo contra a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro como ficou claro na ofensiva do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no “Roda Viva” pedindo para o país “voltar à normalidade”.
Os aliados de Brazão prepararam uma vacina contra uma eventual repercussão negativa, que foi a representação pela cassação do mandato de Brazão no Conselho de Ética, mas não foi suficiente para virar a votação na CCJ. A alternativa seria um “recado” ao STF de que a prerrogativa de privar o parlamentar de seu mandato é da Casa, mas não convenceu.
O rito desta cassação permitiria que Brazão tivesse seis meses para não apenas continuar a obstruir a investigação do crime como até mesmo evadir-se do país. O relatório da Polícia Federal que resultou na prisão não deixa dúvidas de que não lhe faltaria apoio para tanto.
O resultado na CCJ demonstrou a prevalência da tese de que, ao longo dos seis anos em que permaneceu sem solução, o crime foi continuado e, portanto, encaixada no flagrante admitido pela Constituição para a prisão preventiva de parlamentares. As câmeras sumiram, o carro foi desmontado, delegados foram trocados, e cinco pessoas relacionadas ao crime foram mortas, entre as quais uma das pessoas que desmanchou o carro, ou seja, há fartos indícios de obstrução de Justiça.
A tese acabou também por prevalecer em plenário, onde eram necessários 257 votos para manter Brazão detido. A decisão do STF foi referendada com uma sobra de 20 votos, a oposição de 129 parlamentares e a abstenção de 28. O comportamento de algumas bancadas, como o PP de Lira, surpreendeu e demonstrou que pode faltar bala ao presidente da Câmara para sua sucessão. Quem acabou por pautar a bancada foi o deputado Fausto Pinatto (SP), que definiu o voto em favor de Brazão como “suicídio” da Câmara face à resistência da opinião pública.
Musk mostrou-se uma carona pouco eficiente para os parlamentares, mas não deixará tão cedo a paisagem nacional. O Supremo não caiu na pegadinha perseguida pelo bilionário de banimento do X do país. A abertura do acesso por VPN, mesmo que sob alto custo, desmoralizaria a decisão. O Executivo escapou por pouco, a despeito dos esforços nesse sentido do ministro da Secretaria de Comunicação, Paulo Pimenta.
A aliança de Musk com o crime organizado não prosperou, mas ele foi bem sucedido em enterrar o PL das Redes Sociais. É esta a principal frente de batalha. Porque o que está em jogo não são negócios de Musk, mas a democracia brasileira. Se a Câmara se recusar a legislar, o tema cairá no colo do STF. E, desta vez, não haverá como protestar contra usurpação de prerrogativas.
Os defensores da soltura de Brazão foram os mesmos que, três semanas atrás, lideraram a votação que derrotou as “saidinhas”. Não foram capazes de convencer a opinião pública de que bandido bom é bandido solto. Os aliados de Musk no crime organizado resolveram apostar que do outro lado da polarização estava um eleitor manobrável. A reação que pautou a votação demonstrou que o eleitor é de direita, mas não é trouxa.
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