Jaguar e a invenção artística de Ipanema
Alvaro Costa e Silva
Em 2006, quando retornou ao Rio depois de 28 anos de autoexílio em Londres, Ivan Lessa encontrou Jaguar no Bracarense, o boteco do Leblon. Em respeito, trocou a água de coco por um chope na pressão. Não foi bem aquela história de que, em se tratando de velhos amigos, não importa o tempo nem a distância, a intimidade se impõe imediatamente. Ao revê-lo, Jaguar ficou catatônico por dois minutos. Aos poucos o gelo derreteu, e eles se entenderam em meio às brumas do passado: a melhor pedida era a empada de carne-seca com catupiry.
Os dois se conheceram na revista Senhor, com Ivan bolando as sacadas dos cartuns de Jaguar. Juntos, toparam um frila publicitário, o lançamento de uma marca de cerveja, e fizeram, a partir de 1968, o melhor retrato artístico de Ipanema: a história em quadrinhos "Os Chopnics" (gozação com os beatniks), lançada no Jornal do Brasil e no Globo simultaneamente.
Nela surge pela primeira vez o ratinho neurótico Sigmund, que mais tarde, com o nome abreviado para Sig, virou o símbolo do Pasquim. Era inspirado no hamster de estimação do boêmio Hugo Bidet. O bicho acompanhava o dono nas farras e era chamado de... Ivan Lessa.
Nas tirinhas Bidet se transforma no Capitão Ipanema, com superpoderes limitados ao bairro, em luta contra o vilão Dr. Carlinhos Bolkan (mistura do cronista Carlinhos Oliveira e do próprio Jaguar). Da depressiva Tânia da Fossa, antítese da garota de Ipanema, só conhecemos a voz nos balões que saem de dentro de um buraco.
No Bracarense, Jaguar teve a certeza de que era a última vez que via o parceiro. Nesta quinta (29), o cartunista da Folha completa
92 anos. Pena que Ivan, morto em 2012, não poderá telefonar de Londres,
como fazia nos tempos da Telerj, com a ligação sempre caindo no número
errado, e ouvir do outro lado da linha: "Aqui é uma casa de família! Não
tem nenhum Jaguar aqui, não, cacete!".
FOLHA