Famílias sem chão
Remoções forçadas, indenizações irrisórias, omissão estatal… O desastre provocado pela Braskem é muito mais profundo do que se vê nas crateras
"A gente não tem mais cabeça para lidar com isso. Minha esposa até adoeceu, agora toma remédio controlado”, desabafa Antônio Domin-
go dos Santos, ex-funcionário da Braskem
e morador do Flexal, um dos bairros ame-
açados de sucumbir devido à imperícia da
empresa na extração de sal-gema do sub-
solo de Maceió. A família de seis pessoas
precisou abandonar a casa às pressas, em
29 de novembro, após receber um alerta
da Defesa Civil de Alagoas sobre o risco
iminente de desabamento. Resistiram até
o último minuto, porque não queriam se
desfazer da residência onde a sogra de
Santos vive há 70 anos sem a certeza de
ter outro lugar digno para morar.
O antigo montador de andaimes preci-
sou abandonar a profissão após ser aco-
metido por uma hérnia de disco, que cau-
sa dores insuportáveis na coluna ao me-
nor esforço. Desempregado há quatro
anos, sobrevive de bicos. Reconstruir a
vida em outro local não é tão simples pa-
ra o trabalhador. O drama de Santos so-
ma-se ao de outras 60 mil famílias atin-
gidas pelo desastre geológico desde 2018,
quando a capital alagoana começou a sen-
tir os primeiros tremores de terra. Racha-
duras tomaram conta das paredes de ca-
sas e prédios. Crateras se abriram em
algumas ruas. À época, parte dos mora-
dores foi removida pela prefeitura com
a promessa de um aluguel social, porque
ainda não havia comprovação da respon-
sabilidade da Braskem. De lá para cá, pro-
vou-se que o desastre não tem causas na-
turais, mas boa parte dos moradores se-
gue sem garantia de uma moradia segura.
Na outra ponta da vasta área atingida,
no bairro de Pinheiro, o pastor Wellington
Santos denuncia que ao longo dos últimos
anos nem o Poder Público nem a Braskem
fizeram propostas razoáveis para prote-
ger, realocar e indenizar as vítimas. “As
primeiras pessoas que saíram, seja pe-
la via do aluguel social, seja por meio de
acordos com a empresa, logo depois se sen-
tiram lesadas e quiseram voltar. Mas vol-
tar para onde? Só há escombros por aqui.”
No vilarejo fantasma, a Igreja Batista do
Pinheiro, onde Wellington celebrava seus
cultos, também acabou interditada pela
Defesa Civil. “Isso abalou muito a socie-
dade. Só aqui, neste bairro, 12 pessoas co-
meteram suicídio. O mais recente foi em
março deste ano. Um homem foi à fren-
te da casa onde morava e deu um tiro na
cabeça. Claramente, foi ato de desespe-
ro e protesto”, lamenta o líder religioso.
O risco de colapso é iminente. Na região
da Mina 18, o solo afundou quase 2 metros
desde o início das medições da Defesa Ci-
vil, no fim de novembro. A arquiteta e
banista Isadora Padilha, autora do livro
Rasgando a Cortina de Silêncios (Ed. Ins-
tituto Alagoas), explica que esta área pró-
xima da costa concentra os bairros mais
antigos de Maceió. “Bebedouro, por sinal,
possui numerosos imóveis tombados pelo
patrimônio histórico. É uma das primei-
ras áreas povoadas da cidade, os registros
remontam ao século XVIII.”
MAIS NA REPORTAGEM DE MARIANA SERAFINI