Solução de dois Estados é difícil, mas o resto não é solução na guerra Israel-Hamas
Celso Rocha de Barros
O Kibbutz Be’Eri, atacado pelo Hamas na
última semana de maneira brutal e covarde, foi fundado por
jovens socialistas. Eram membros do movimento HaNoar HaOved
VeHaLomed, a "Juventude Estudantil e Trabalhadora". No site do movimento,
consta a informação de que a organização é "irmã" do Habonin Dror,
fundado a partir da fusão de dois movimentos. Um deles, o Dror, de orientação
socialista, teve entre seus membros brasileiros Paul Singer, um dos principais intelectuais da história do PT.
Se o leitor ficou surpreso com a associação entre Israel e a esquerda, ainda não viu nada. A guerra de independência de Israel foi ganha com armas da Tchecoslováquia comunista, e a União Soviética foi o primeiro país do mundo a reconhecer Israel. E não foi o Gorbatchov: foi o Stálin.
Existe gente mais qualificada que eu para
explicar as reviravoltas geopolíticas subsequentes, mas, no final do processo,
todo mundo tinha mudado de lado. A direita, que tinha uma longa história de
antissemitismo, passou a defender Israel e fingir que tinha passado os anos 30
em coma.
Com o tempo, Israel foi se tornando uma
democracia moderna, que proporcionou a seus cidadãos um Estado de bem-estar
social importante e amplas liberdades individuais (inclusive o casamento LGBT).
E, ao mesmo tempo, submeteu os
palestinos a uma situação colonial brutal.
Para complicar as coisas, Israel não é um
colonizador típico. É um país formado a partir da diáspora de um povo que recém
escapara do risco de extinção. Os europeus deram aos judeus todo direito do
mundo de acreditar que, sem um Exército próprio, sua existência pode voltar a
ser ameaçada.
Por isso, a maior parte da esquerda
internacional defende a solução de
dois Estados. É a posição do PT. Ela está presente, por exemplo, no
"Documento Básico" do núcleo de militantes judeus do partido, a Caju
(Comissão de Assuntos Judaicos), apresentado em São Paulo em maio de 1987
("Iyar de 5747").
Nos anos 90, os acordos de Oslo, celebrados
entre o governo trabalhista de Ytzak Rabin e a OLP de Yasser Arafat, deram a
impressão de que o conflito no Oriente Médio poderia começar a ser resolvido.
Em Oslo, encontraram-se o principal
representante da esquerda israelense e o movimento palestino mais próximo da
esquerda mundial, inclusive do PT. Trabalhistas israelenses e Fatah palestina
(o grupo mais forte dentro da OLP) chegaram a conviver na Internacional
Socialista por um breve período na década passada. Os israelenses saíram quando
a IS aderiu ao boicote contra Israel.
Mas os radicais anti-Oslo venceram. O Hamas
conseguiu tomar Gaza da Autoridade Palestina, controlada pelo Fatah. Yigal
Amir, um militante de extrema direita israelense, matou Ytzhak Rabin. Um mês
antes do assassinato, um jovem extremista, Itamar Ben-Gvir, apareceu na TV
segurando um adereço do carro de Rabin e dizendo "já chegamos ao seu
carro, chegaremos em você". Hoje ele é ministro no governo Netanyahu.
Não sabemos se a nova ocupação de Gaza
degringolará em matança indiscriminada, ou se o conflito se regionalizará. Se
conseguirmos evitar esses dois riscos, torço para que a Autoridade Palestina
recupere o controle de Gaza, e para que o espírito de Rabin ainda inspire
alguém em Israel. A solução de dois Estados é difícil, mas o resto não é
solução.
FOLHA